Inclusão entre as modalidades olímpicas gera debate sobre uso de substâncias ilícitas e faz crescer interesse pelo fisiculturismo natural, modalidade praticada pelos atletas Caio Bottura e Liverson Rizzardi
Quando eu soube que o fisiculturismo foi aprovado como esporte olímpico e estará nos Jogos Pan-americanos de 2019 que acontecerão em Lima, no Peru, fiquei mega empolgada e emocionada! É um avanço imenso para o esporte!
Imaginei logo que teremos mais reconhecimento pelo esporte, menos preconceito e acima de tudo uma competição justa com antidoping e bases iguais de preparação e julgamento!
Afinal, julgar em pé de igualdade atletas que usam esteroides, anabolizantes e hormônios de crescimento com atletas naturalistas é complicado, uma vez que os naturalistas precisam de um prazo muito mais longo para alcançar os resultados.
Fisiculturismo – Um esporte olímpico
Os atletas perfilados no pódio, cabeças erguidas em direção às bandeiras de seus países, enquanto ouvem a execução do hino, trazendo no peito, cheio de orgulho, as medalhas que traduzem anos de renúncias, escolhas, disciplina, esforços, sacrifícios, muito treino, muitas lágrimas e alguns sorrisos… Mas com uma importante diferença: a cena, comum àqueles acostumados a acompanhar as competições esportivas, agora será possível de acontecer também no fisiculturismo!
Isso mesmo, reconhecido como esporte olímpico, o fisiculturismo fará parte, pela primeira vez na história, dos Jogos Pan-Americanos que serão disputados daqui a dois anos na capital peruana. Para mim, como atleta de fisiculturismo, isso é motivo de extrema alegria e orgulho!!! E, pelo visto, o evento vai marcar o início de uma nova fase no esporte: no ano seguinte, em Tóquio, o “Classic Bodybuilding” fará sua aguardada estreia olímpica – a exemplo de outros dois esportes com muitos adeptos no Brasil: o surfe e o skate –, sendo representado pela IFBB (Federação Internacional de Bodybuilding e Fitness).
Quem vai levar a medalha? Os atletas que possuem a melhor formação muscular –alcançada por meio da prática contínua de exercícios físicos de resistência progressiva– serão os vencedores no fisiculturismo. Os critérios avaliados pelos juízes da modalidade serão volume, simetria, definição e proporção dos músculos.
Uso de esteroides e anabolizantes no fisiculturismo
Para quem, como eu, é apaixonado pelo esporte, trata-se, sem dúvida, de uma grande
conquista! Mas a novidade tem gerado e ainda deve gerar muita discussão. Afinal, sabemos que muitos bodybuilders têm feito ou já fizeram uso dos esteroides anabolizantes, pelo menos em algum momento de sua vida, especialmente nos períodos que antecedem as competições. E essas drogas não são aceitas pelo rígido Código Mundial Antidoping, adotado em competições como as Olimpíadas e o Pan-Americano.
Mas eu acredito, de verdade, que essa polêmica pode trazer benefícios para todos, jogando luz sobre um tema muitas vezes evitado. Além disso, a inclusão como modalidade olímpica, certamente dará força à bandeira do chamado fisiculturismo natural.
Fisiculturismo Natural
Ainda pouco conhecido pela maioria das pessoas, o fisiculturismo natural foi introduzido em meados dos anos de 1990, reunindo homens e mulheres dispostos a melhorar o corpo sem recorrer ao uso de substâncias proibidas, como esteroides anabolizantes e hormônio do crescimento humano. Gente com vontade para modificar o corpo sem usar drogas, apenas com muita disciplina, treino e uma dieta saudável.
Ao contrário do que muitos podem pensar, a opção dos adeptos pelo “natural” não surge, necessariamente, como uma resposta a um cenário de constantes ofertas de substâncias ilícitas. Muitas vezes, ela nasce de forma espontânea, como me contou o atleta “natural” Liverson Rizzardi. “Faço musculação desde os 16 anos e nunca fui influenciado por ninguém a usar qualquer fármaco para aumentar meu desempenho, até porque treinei em uma academia pequena onde, mesmo natural, eu era um dos mais fortes”, lembra o atleta.
Um dos nomes de maior destaque no cenário brasileiro, Caio Bottura, conta que o fisiculturismo natural não foi nem mesmo uma escolha: “Não foi uma ‘opção’, eu nunca usei ou me interessei por qualquer tipo de droga — álcool, cigarro, cannabis, etc. –, quando comecei a treinar era inocente e não sabia da magnitude da presença das drogas no esporte. Desde o início, evolui muito bem e, com apenas seis meses, as pessoas já me acusavam de usar esteroides, então, nunca senti necessidade de usar qualquer outro recurso, pois estava satisfeito com meu progresso”, lembra Caio. Ele conta que descobriu o “natural” fora do Brasil. “Quando cheguei aos Estados Unidos e procurei uma competição, identifiquei algumas que tinham ‘natural’ no nome. Foi aí que descobri que existiam federações naturais. Contratei um coach que me ensinou muito e cuidou de toda a preparação para minha primeira competição. Pude enxergar o potencial de evolução que o corpo humano tem. Basta você aplicar conceitos inteligentes no seu treino e dieta”, conta. Depois de ficar em quarto lugar e ver atletas naturais com um físico excelente, Caio diz que simplesmente se apaixonou pelo esporte e pela perspectiva de poder evoluir muito.
Desafios do fisiculturista que não usa esteroides
Se o fisiculturismo já exige elevadas entrega e dedicação dos competidores, aqueles que optam pelo “natural” precisam encarar desafios ainda maiores para domar e moldar o corpo. Liverson faz uma comparação, que eu achei superinteressante, que é a de um avião em procedimento de pouso. “Um fisiculturista próximo da competição é como um avião pousando. Quando está a milhas de altura, você até consegue corrigir eventuais erros, mas errar próximo da pista de pouso pode trazer sérias consequências. Bons fisiculturistas não sofrem tanto por serem racionais e conhecer de metabolismo! Mas o conhecimento que se deve ter sobre fisiologia e bioquímica é um dos principais desafios, ainda mais se você não contar com um treinador”, diz.
Para Bottura, a maior dificuldade enfrentada pelos atletas “naturais” é justamente a falta de paciência e consistência. “Vejo muitos errarem por ansiedade. Não adianta chorar, vai levar tempo, e você vai precisar transformar sua rotina em hábito. A maioria das pessoas, hoje, acha que sabe treinar, mas não faz ideia do que é RPE, Progressive Overloading, 1RM, PR, Wave-Loading, como definir frequência, intensidade e calcular o volume de treino. Aspectos que são básicos para medir progresso na academia. Enfim, é preciso praticar a periodização de treino e entender a importância do treino de força. Isso, sem falar que naturais precisam de uma frequência de estímulos maior”, detalha.
Ambos concordam que os “naturais” não podem contar com muitos recursos na preparação. “Treino e dieta, este é o binômio principal! Fazendo isso da forma mais refinada possível não precisa de outro recurso”, afirma Liverson, no que é acompanhado pelo colega. “Não podemos contar com muitos recursos ou estratégias, a jornada é apenas longa. Se você sabe treinar e fazer dieta, apenas saiba descansar e se recuperar adequadamente, aprenda sobre aquecimento, mobilidade, alongamento, autorregulação, para evitar entrar em overreaching ou se lesionar”, diz Bottura.
Cultura e Competições
Decidido a evoluir no esporte, Bottura resolveu se mudar para os Estados Unidos. Segundo ele, apesar de a modalidade estar crescendo no Brasil, ainda está muito aquém do que já existe por lá. “O Brasil ainda não investe no esporte como os EUA. As academias, a cultura e a infraestrutura são completamente diferentes. Sem falar que ainda não existem federações naturais no Brasil”, afirma. Mas, na opinião do atleta, a principal distância ainda reside na cultura. “No Brasil, existe uma cultura de achar que tudo é droga. Se não está bom é porque você precisa tomar mais drogas, o que faz com que se perca a real essência do esporte. Percebo que, nos Estados Unidos, a busca pela aparência não é tão forte, por isso, mais pessoas praticam o esporte com o intuito de alcançar uma vida saudável, e não por estética. Claro que há diferenças de região para região, mas a verdade é que, há quatro anos, as palavras ‘fisiculturismo natural’ não estavam nem no vocabulário do brasileiro”, afirma.
Treinando em Curitiba, no Paraná, sob orientação do treinador Yesudian Yamada, que é fisiculturista vegetariano, Liverson conhece de perto as dificuldades enfrentadas pelos “naturais” no País. “Tive minha estreia em 2015 na IFBB, em uma competição sem exame antidoping, e fiquei em quarto lugar. Escolho sempre a categoria physique por não precisar subir com um grande volume muscular. Mas sei que muitas vezes estou competindo com atletas não naturais”, conta. Mesmo nos Estados Unidos, onde há federações naturais, Bottura explica que é preciso buscar aquelas que realmente são sérias. “Sou profissional pela NGA (National Gym Association) e estou também competindo na OCB (Organization of Competitive Bodybuilders) que são duas federações das quais eu gosto. São feitos vários exames e, se o atleta for pego no doping, é desqualificado e banido. Não vou falar que todo mundo é natural, porque existe como burlar as regras, mas aí é mesmo muito triste pensar em pessoas que fazem isso”, diz.
Situações como esta levam muitos a afirmarem que, na prática, o fisiculturismo natural não existe. Liverson e Bottura, contudo, são firmes na defesa da modalidade, argumentando que essas opiniões não passam de especulações resultantes da falta de informação e da cultura de que apenas com droga é possível evoluir. “Existem pessoas que burlam? Sim. Existem pessoas que mentem que são naturais? Sim. Mas isso não quer dizer que não exista ninguém natural. Do mesmo jeito que existem naturais com o shape bom, existes atletas que usam anabolizantes com o shape ruim. A genética tem um grande papel nisso”, destaca Bottura.
Mesmo com todas as dificuldades, o fisiculturismo natural – no Brasil e em todo o mundo – nunca esteve tão em alta. “Com o alavanque do fitness e do conceito de vida saudável, muitas pessoas estão buscando mudar a aparência, mas sem querer usar nada além de dieta e treino”, avalia Liverson.
Seja como for, o fisiculturismo sempre esteve muito marcado pelo uso de suplementação e outras substâncias e, conforme eu disse, o crescimento da onda “natural”, a popularização do esporte e a inclusão como modalidade olímpica vão amplificar ainda mais essa discussão, tanto entre os praticantes do fisiculturismo como na sociedade em geral. E, com mais informação, o esporte amadurece e todos ganhamos, não é mesmo?
Fiquei encantada quando soube mais sobre o fisiculturismo natural, pela grandiosidade desses atletas em lutar pelo shape de competição sem o uso de esteroides, e mais ainda pela coragem de levantar esta bandeira no Brasil e lá fora!
Seja qual for o caminho que você escolher, você deve ter acompanhamento de profissionais respeitados no mercado, estudar muito para ter embasamento para discutir estratégias com seu coach, médico, nutricionista e qualquer outro profissional da saúde que fizer parte da sua preparação.
MINI CV LIVERSON
FOTO E MINI CV CAIO BOTTURA
Leia também:
Busque seu propósito. Deixe seu legado
Rê Spallicci