Confira a história de mulheres que se dedicam profissionalmente ao futebol no Brasil
Em quase todas as famílias é igual! Meninos ganham bola e carrinho, meninas, boneca e casinhas. Desde cedo, o futebol é apresentado às crianças como uma coisa de menino. Eles logo ganham uma camisa do time de coração e começam a ser incentivados a chutar qualquer coisa esférica que encontrem pela frente!
Por outro lado, raramente vemos uma menina sendo estimulada da mesma forma pelos pais, familiares e amigos. Não somente a jogar, mas até mesmo a se interessar por futebol. Algo cultural e que, provavelmente, ainda levará muito tempo para ser mudado!
Apesar de tudo, há meninas que deixaram a paixão pelo esporte falar mais alto e contra boa parte da sociedade resolveram encarar o futebol como uma profissão, enfrentando as dificuldades de um esporte com pouca visibilidade e patrocínio e ainda com uma boa dose de preconceito!
Na segunda matéria da nossa série Elas na Copa, conversei com duas atletas profissionais de futebol: Gabriela Arcanjo e Jéssica Lima, e com a árbitra Renata Ruel. Confira!
Há 20 anos vivendo do futebol
Por pouco, Jéssica Lima não existiu para o futebol. Sempre apaixonada pelo esporte, ela encontrava resistência desde pequena para jogar. Seu pai achava que aquilo não era coisa para menina, e a mãe morria de medo que ela se machucasse. Mas o talento dela, desde cedo, fazia com que os meninos fossem buscá-la em casa pra jogar, e ela, muitas vezes, saía escondida para praticar sua paixão.
Aos 10 anos, Jéssica perdeu o pai e, aos 16, resolveu encarar de vez o medo da mãe de que ela se ferisse e foi para Marília, no interior de São Paulo, participar de um teste para o time local. Aprovada, passou a treinar na equipe e nunca mais parou.
Hoje, no Rio Preto, a experiente jogadora, que tem entre seus títulos no currículo o de campeã brasileira, joga no Rio Preto, equipe que é uma das mais fortes do País, dá aulas de futebol e se alegra por conseguir viver do esporte.
“As coisas no futebol feminino já foram mais difíceis. Hoje, conseguimos viver do esporte e temos um pouco mais de organização”, relata! Mas algo ainda muito diferente das cifras milionárias do futebol masculino.
Mas para ela chegar até aí não foi nada fácil. Ela lembra que constantemente passou por clubes sem nenhuma estrutura e tinha de mentir para a mãe sobre as verdadeiras condições de treino para que conseguisse se manter no futebol.
Além disso, o preconceito sempre fez parte de sua atividade, embora ela acredite que hoje as coisas já estão melhores. “Como jogo há muito tempo, já não ligo mais para as brincadeiras e nem presto mais atenção. Mas, no começo, era muito difícil”, revela.
Início no time do coração
Por ser de uma geração posterior à de Jéssica, Gabriela Arcanjo já encontrou o futebol feminino em melhores condições, com campeonatos mais organizados e um calendário que a faz se ocupar do esporte diariamente, com jogos duas vezes por semana.
Talvez, por isso, o caminho para o futebol tenha sido um pouco menos traumático para ela. Principalmente porque, desde muito pequena, tinha em casa, nos seus dois irmãos, seus maiores companheiros de bola. “Tenho fotos com uns dois anos de idade e já com uma bola. E graças aos meus irmãos, na hora de brincar, era sempre futebol”, revela.
Mas nem por isso ela deixava de ser alvo de preconceitos. “Eu sempre sofri preconceito por jogar futebol, mas nada me atrapalhou ou me fez desistir.” E foi assim que, um dia, brincando com meninos em uma quadra em Belo Horizonte, ela foi convidada para fazer testes no time feminino do Atlético Mineiro que estava começando suas atividades.
Torcedora do Galo, ela passou no teste e teve a honra de pular da arquibancada para as quadras e defender o preto e branco do seu time de 2006 a 2009. Depois, jogou no Rio Preto, de 2010 a 2017, e agora está no Kindermann de Santa Catarina.
E, na hora do jogo, não tem vaidade ou “frescura”, o importante é dar o sangue pelo time e pela profissão que escolheu. “Teve uma ocasião que por não ter uma jogadora para me substituir, joguei com muita dor e o pé roxo, cheia de bandagens na perna e no pé”, recorda.
Gabriela acredita que o futebol feminino está crescendo a cada dia, mas que ainda falta muito para chegar ao nível que as atletas pleiteiam. “E, para isso, a mídia tem uma função considerável: o futebol feminino só será grande quando a mídia abraçar a causa”, profetiza.
“Vai lavar roupa!”
Se no futebol a figura do árbitro já é sempre alvo de xingamentos e provocações, imagine isso, em uma sociedade altamente machista, se o profissional em questão for uma mulher! E foi este desafio gigante que Renata Ruel, uma apaixonada por futebol desde criança, resolveu encarar.
Árbitra assistente, popularmente conhecida como bandeirinha do quadro da Federação Paulista de Futebol e da Confederação Brasileira de Futebol, Renata começou a atuar em jogos profissionais em 2009 e, em 2011, fez sua estreia no Paulistão e na CBF.
“Minha família é apaixonada por futebol, tanto os homens, que são maioria, quanto as mulheres. Desde pequena, aos domingos, a família se reunia para o almoço e para assistir aos jogos da TV.Meu irmão e meus primos jogavam em uma escolinha, e eu sempre ia assistir aos jogos e treinos.Na rua, brincava de corda, queimada e jogava futebol. A paixão vem desde pequena, esse esporte me fascina”, revela.
Segundo Renata, a sua vida hoje gira em torno do futebol. Então, ela busca estar sempre atualizada e adquirir novos conhecimentos. “Nas reuniões com a família ou amigos, discutir futebol é o que mais faço. E, como sabem que sou do meio, não só respeitam a minha opinião, mas também, muitas vezes, fazem questão de que ela seja manifestada.”
Infelizmente, o preconceito ainda é uma realidade que a mulher precisa enfrentar no esporte. “É utopia dizer que não há preconceito e o pior é que, frequentemente, ela vem da própria mulher. Já escutei inúmeras vezes, nos estádios, torcedoras gritando “vai lavar roupa, vai para a cozinha”… Já o que alguns homens falam, ela diz ser impublicável! “Mas não dou atenção, busco exercer meu trabalho de forma extremamente profissional, tratando todos com respeito e exigindo o mesmo.”
Prontas para a Copa do Mundo
E é claro que, por viver e respirar futebol 24 horas por dia, as nossas três convidadas estão, como todos nós, ansiosas para a Copa do Mundo!
Como “boleira”, a Gabriela vê a tranquilidade que o time do Brasil adquiriu com os bons resultados recentes, o que dá uma maior serenidade à equipe para buscar o hexa.
“Acho que o Brasil fará um grande mundial, por esta tranquilidade e pela qualidade de todos que estão lá.”
Sua companheira de profissão, Jéssica, espera uma Copa bastante disputada e quer aproveitar os jogos entres os melhores times do mundo para se aprofundar nas táticas adotadas pelas equipes. “Hoje as equipes jogam taticamente e será bem legal observar isto. O futebol feminino vem se desenvolvendo muito também neste campo tático, por isso acredito que a Copa será um aprendizado bacana para nós”, comenta.
Mas é Renata quem terá mais novidades para observar. Pela primeira vez, o VAR, o tal “árbitro de vídeo” será usado em um mundial, e todos do mundo do futebol estão ansiosos para ver como o sistema se comportará em um campeonato dessa grandeza.
“A tecnologia é uma realidade na sociedade mundial, a evolução ocorre todos os dias, e quem não a acompanha estaciona e é ultrapassado facilmente. As empresas aderiram às inovações, e o futebol também precisou fazê-lo. O VAR é uma realidade que veio para somar no mundial e no futebol. O que se faz necessário é que haja pessoas bem preparadas, treinadas, com conhecimento e domínio vastos das regras e do jogo, para que este sucesso se concretize. De que adianta ter uma máquina ou equipamento, se ninguém sabe usá-lo? Porém, a FIFA está desenvolvendo um trabalho sensacional com os árbitros e penso que, sim, o recurso terá grande êxito.”
É o que todos vamos acompanhar a partir de 14 de junho! E minha torcida é para que, um dia, a Copa do Mundo feminina tenha tanto destaque quanto a dos meninos! A Jéssica, a Gabriela e a Renata estão fazendo a parte delas! Resta a nós lutarmos contra o preconceito e a favor de maior incentivo para o futebol feminino!
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Busque seu propósito. Deixe seu legado.
Rê Spallicci