Por que é tão importante que as mulheres tenham uma postura de empatia umas em relação às outras?
Vamos confessar! Quem nunca nutriu algum tipo de competição com uma amiga, colega de escola ou trabalho, ou ficou com invejinha, quando aquela nossa melhor amiga chegou à festa toda maravilhosa com um vestido bárbaro, um cabelo deslumbrante e atraiu todos os olhares?
E quem nunca ouviu que mulher é assim mesmo, invejosa, que não somos verdadeiramente amigas como são os homens, e que somos extremamente competitivas entre nós? Quem nunca?
Uma visão construída por homens
Pois saiba que esta forma de pensarmos sobre nós mesmas é algo que nos foi imposto desde o começo de nossa educação! E sabe por quê? Para que não nos uníssemos e lutássemos juntas pelos nossos direitos e pela igualdade de gêneros.
“A sociedade da supremacia masculina tem uma estratégia importantíssima: a de manter mulheres competindo entre si. Seja através de padrões de beleza inatingíveis (onde sempre haverá disputa pelo posto de “mais bonita”, “mais magra”, “mais gostosa”, etc), seja pela crença de que o objetivo da nossa vida é homem (o que coloca a culpa de traições “na outra”, faz amigas brigarem pelo carinho do mesmo cara, enfim), a percepção de outras mulheres como inimigas é essencial”, define a blogueira MTV, Clarissa Wolff.
Há uma piadinha que contam, e que ilustra bem a visão que querem passar sobre nós, mulheres. E diz mais ou menos assim:
Fecharam dezenas de mulheres em uma sala e fizeram o mesmo com dezenas de homens em outra sala. Uma semana depois, abriram a sala das mulheres, e elas estavam todas unhadas, descabeladas, com a roupa rasgada, algumas ainda estavam gritando e todas desesperadas querendo sair o quanto antes da sala para terminar o convívio com as outras mulheres. Na sala dos homens, ao se aproximarem da porta, ouviam-se gargalhadas e, quando abriram a porta, um homem lá de dentro gritou: Oh, fecha a porta aí que a gente tá conversando!
Esse é resumo da ópera: somos desunidas, briguentas, competitivas, invejosas, enquanto os homens são camaradas, bons amigos… No trabalho, se um homem é rígido, ele é assertivo; a mulher, mandona. Se o homem cobra muito de seus colaboradores, é exigente; a mulher é histérica, ou outros adjetivos ainda piores. Você já ouviu alguém falar sobre um homem: ah, isso é falta de mulher? Mas ouvimos direto que, quando a mulher está nervosa, é falta de homem… e estou usando a palavra homem para ser polida! rs
O que é Sororidade
A visão machista sobre a relação das mulheres entre nós mesmas é tão forte que alcança até mesmo nosso idioma. Você certamente já ouviu a palavra fraternidade, que é a união de irmãos. Mas a palavra sororidade, que seria a união de irmãs, nem existe oficialmente em nossa língua!
Entretanto ela vem ganhando cada vez mais força e visibilidade para representar a aliança feminista entre mulheres. Apesar de a palavra sororidade não existir oficialmente na língua portuguesa, fraternidade pode ser encontrada em qualquer dicionário descrita como: 1 Solidariedade de irmãos. 2 Harmonia entre os homens. Ambas as palavras se originaram do latim, sendo sóror irmãs e frater, irmãos. Mas, na nossa linguagem usual, ficamos apenas com a versão masculina do termo. Afinal de contas, a sociedade patriarcal nos ensina que relações harmoniosas somente são possíveis de se concretizarem entre homens, não é mesmo?
Segundo Lola Aronovich, professora do departamento de línguas estrangeiras da Universidade Federal do Ceará e autora de um dos maiores blogs feministas do Brasil, o Escreva Lola Escreva, “sororidade vai contra esse mito de que as mulheres não podem ser amigas”.
“Os homens podem competir por milhares de coisas, mas para as mulheres pega mal ser competitiva no trabalho. Então sobra para as mulheres competirem por homens, para agradá-los ou conquistá-los. E isso é uma estratégia para manter as mulheres desunidas”, ela diz.
Assim, tal noção remete a uma união maior entre as mulheres, não contra os homens, mas contra a ideia de que elas não podem ser próximas umas das outras sem interesses que digam respeito a eles.
“Existem pesquisas de linguística que explicam que, como o homem é um ser valorizado na sociedade, o que ele diz, o que ele pensa, é muito mais bem aceito do que aquilo que uma mulher diz, pensa ou escreve. E nós mesmas fazemos isso [em relação aos homens e umas com as outras]”, explica a blogueira.
No Dicionário de Estudos de Gêneros e Feminismos, a cientista social argentina, Susana Beatriz Gamba, define sororidade como “uma dimensão ética, política e prática do feminismo contemporâneo. É uma experiência subjetiva entre mulheres na busca por relações positivas e saudáveis, na construção de alianças existencial e política com outras mulheres, para contribuir com a eliminação social de todas as formas de opressão e ao apoio mútuo para alcançar o empoderamento vital de cada mulher”.
Parece complicado, né? Mas é supersimples. Muitas vezes, nós, mulheres, adotamos uma postura mais defensiva umas com as outras e criamos um clima de competição desnecessário. É aí que a tal “aliança” entre nós se torna fraca, pois a competição entre as mulheres não permite que nos sintamos como parte de um todo. A sororidade, de certa maneira, é enxergar-se na outra mulher, é ter empatia! Reconhecer na outra nossas próprias fraquezas, opressões, julgamentos, dores, virtudes e força. Por meio da compreensão mútua, nos vemos vítimas dos nossos próprios preconceitos. E é aí que a sororidade funciona: para desconstruir a ideia de que mulheres são rivais.
A importância da união
Mas é claro que essa união entre mulheres não é algo que vem de hoje! Afinal, nós não teríamos sobrevivido em condições tão opressivas, se não tivéssemos contado umas com o apoio das outras. O que seria de nós, mulheres, sem nossas mães, filhas, avós?
Só com a sororidade de nossas ancestrais é que conseguimos enfrentar os conflitos que surgiram entre elas e que chegamos até aqui, com tantas conquistas obtidas ao longo dos tempos. A sororidade possibilita estabelecer vínculos entre civis e governantes, militantes de partidos, sindicatos, mulheres cis e mulheres trans, indígenas e mulheres de outras culturas, jovens e idosas, assim como camponesas, operárias, urbanas, heterossexuais e lésbicas, intelectuais e mulheres com baixa escolaridade, entre dirigentes e mulheres “de base”, teóricas e ativistas. “Ao não tratar as diferenças de forma preconceituosa, convertendo-as em rejeição e obstáculo, é possível que surjam semelhanças de identidade e empatia entre as mulheres. Reconhecendo sempre que as mulheres semelhantes também são diferentes e que a diferença é um capital e um poder. É preciso superar a exigência de sermos idênticas”, explica Suzana Gamba.
Não somos rivais
Em reportagem do jornal O Globo, por ocasião do mês das mulheres, Ligia Baruch, mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), comentou que o conceito da sororidade contribui para a igualdade de gênero na medida em que implica uma reflexão sobre a importância das mulheres não julgarem ou criticarem umas às outras.
“Não sei ao certo quando essa ideia da rivalidade entre as mulheres surgiu, me parece mais um desses clichês populares que são perpetuados automaticamente sem maiores reflexões, pois também há rivalidade entre os homens. Faz parte da competição do humano pela sobrevivência. É um mecanismo primitivo útil em situações extremas, mas a colaboração também é um mecanismo útil e mais sofisticado. A rivalidade masculina é mais enfatizada nos esportes e no trabalho, e a feminina, na questão da competição pelo mercado matrimonial. São resquícios de uma visão patriarcal e machista”, disse.
E a mestre sugere que a aliança entre mulheres seja incorporada no dia a dia, com atitudes de cooperação que favoreçam condições para que possamos nos apoiar na busca por posições de poder.
No ambiente de trabalho e no mundo corporativo, por exemplo, eu vejo essa necessidade de maior empatia todos os dias, e está em nossas mãos mudar esse quadro.
E o primeiro passo é desistir do ciclo de competitividade entre nós, mulheres, nos apoiando umas às outras.
Uma mulher em um cargo de chefia, por exemplo, deve ser respeitada e valorizada como tal; é preciso, pois, que haja abolição de comentários que denigram a sua imagem, o seu trabalho e como ela alcançou esse espaço na empresa. Além disso, é necessário que as empresas tenham em vista a capacidade de promoção de mulheres no mesmo nível que os homens, o que sabemos que ainda está muito longe de acontecer, infelizmente.
No dia 8 de março, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, publiquei o artigo O Dia Internacional da Mulher e o empoderamento feminino que trouxe vários números que comprovam a necessidade de nos unirmos cada vez mais para buscar a igualdade.
Segundo dados mais recentes do IBGE, em média, as mulheres ganham salários que chegam a ser de 25% a 30% menores, e a participação feminina em cargos de alta liderança ainda é pequena, apesar de vir aumentando ao longo dos anos. Pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) indica que, em 2012, somente 26% das empresas tinham funcionárias em funções de comando. Em 2013, a proporção aumentou para 33% e, em 2014, para 47%. Nas 150 companhias brasileiras que participaram da pesquisa, não havia mulheres na presidência ou vice-presidência. Além disso, os conselhos de administração têm, em média, cinco integrantes, sendo apenas uma vaga ocupada pelo sexo feminino, na maioria dos casos.
Exemplos na prática
Mais do que uma simples palavra, o conceito da sororidade vem ganhando ações realmente efetivas.
Sheryl Sandberg, COO do Facebook, criou uma comunidade que ela chama de Lean In, algo como ‘apoiem-se’, em português. A ideia é, justamente, fazer com que mulheres se unam e encontrem um apoio mútuo para enfrentarem as dificuldades e os abusos que passam na vida moderna. Aí está, basicamente, definido o conceito de sororidade.
A jornalista Babi Souza lançou o livro “Vamos juntas? — O guia da sororidade para todas” (Editora Galera que é fruto de um projeto criado pela jovem na internet, cuja proposta é unir mulheres contra o assédio e outros tipos de violência). Numa noite, voltando do trabalho, Babi percebeu que ela e outras mulheres poderiam vencer a sensação de insegurança ao andarem sozinhas na rua, se caminhassem lado a lado. A página do movimento recebeu mais de cinco mil curtidas nas 24 horas seguintes ao seu lançamento. Hoje, um terço das seguidoras não passa dos 18 anos, e as mais engajadas estão entre os 13 e 14 anos.
“Depois de criar o projeto, fizemos uma pesquisa perguntando o que fazia as mulheres sentirem tanto medo ao andar na rua. A alternativa que teve maior número de respostas foi “o machismo”. Muitas das que participaram disseram que nunca tinham parado para pensar nisso“, conta a jornalista.
Outra campanha a incentivar a solidariedade feminina é a #MaisAmorEntreNós. A ideia é que meninas ajudem umas às outras em tarefas do dia a dia, ou com apoio emocional, numa espécie de corrente. Nas redes, usuárias se dispõem gratuitamente a apoiar outras usuárias cuidando de seus bebês por algumas horas, auxiliando em questões jurídicas, ensinando habilidades como idiomas e fotografia, ou mesmo, fazendo companhia e dando abraços.
Bora praticar?
Agora que vocês já conhecem o conceito e o quanto ele é fundamental para que tenhamos força e poder, que tal a gente também colocar isso em prática?
Vamos parar de nós mesmas incentivarmos discursos e práticas que nos coloquem umas contra as outras e sempre lembrar que só com a união conseguiremos cada vez mais o nosso espaço.
Nós, mulheres, temos uma força interior, uma resiliência e uma garra que nos diferencia e que nos dá características únicas e que deveriam nos levar a uma posição de igualdade aos homens. Mas, muitas vezes, não nos apoiamos, não nos ajudamos e não nos colocamos para cima, o que faz com que a nossa luta seja ainda mais difícil!
Por isso, por fim, gostaria de convidar vocês a terem uma nova forma de pensar, não buscando a competição entre nós, mas sim, pensando que somos parte de um todo, de uma irmandade, uma sororidade! Sabe quando você está sozinha em uma noite escura, andando pela rua, e procura se aproximar de outras meninas para se sentir mais segura? Pois é, querendo ou não, a ideia de sororidade já está dentro de nós, mesmo que inconscientemente.
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Busque seu propósito. Deixe seu legado.
Rê Spallicci