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Carreira

A vida sem crachá

Após mais de duas décadas como executiva de uma das maiores editoras do País, Cláudia Giudice, jornalista e escritora, viu-se demitida pela primeira vez em sua vida. Desta experiência, surge o livro “Vida sem crachá”. Conversamos com exclusividade com a autora. Confira.

 20 de novembro de 2015
7 min de leitura

A vida sem crachá

Cláudia Giudice era diretora de uma grande unidade de negócios na maior editora do país. Após mais de duas décadas de serviços prestados, na manhã de 25 de agosto de 2014, em meio a diversos cortes na empresa, ela entrou na temida lista. Foi demitida.

“Nunca havia sido demitida. Tive sorte. Tinha uma viagem de férias marcada para os Estados Unidos naquela semana. Fui e me fez bem. Escapei da falta de rotina dos primeiros dias sem crachá. Escapei da pressão familiar e dos amigos, que querem te deixar bem a qualquer preço – e, sem querer, acabam escarafunchando a ferida. Lá, bem longe de casa, desabei pela primeira vez. Chorei feito criança pequena, abandonada, no escuro. Não era medo. Nem necessidade. Não tinha urgência de arrumar outro emprego. Era a dor de perder algo que eu amava. Era a dor de ter sido rejeitada. Sofria porque, ao arrancarem meu crachá de 23 anos, arrancaram junto a minha pele”, relata Cláudia em seu texto “Ao arrancarem meu crachá, senti como se estivessem arrancando a minha pele” , em que  conta todo o turbilhão de sentimentos que passou no período que sucedeu ao Dia D.

Mas Claudia resolveu lamber sua feridas. Mudou-se para Arembepe, Bahia, onde administra uma pousada de sua propriedade. Em abril passado, ela entregou à Ediouro o arquivo de seu livro “Vida Sem Crachá“, lançado no último mês de agosto. “Tem comédia, tragédia e muitas ideias para começar de novo. Espero, sinceramente, ajudar os próximos da fila a enfrentarem esse momento tão difícil e, ao mesmo tempo, tão disruptivo, tão revolucionário, tão transformador”, explica.

Para saber sobre o blog, livro, seu processo de reorganização da vida e sua opinião sobre o impacto que uma demissão pode causar na vida de uma pessoa, conversamos com a jornalista e escritora.

A vida sem crachá

Cláudia Giudice. Jornalista, escritora, palestrante, dona de pousada… muitas carreiras na mesma encarnação.

 

Portal Renata Spallicci – Quando a ideia do blog surgiu e como tem sido sua relação com ele? E o livro, qual foi seu processo para escrevê-lo?

Cláudia Giudice – A ideia do blog surgiu de um insight. Costumo dizer que uma voz soprou no meu ouvido: “por que você não faz um blog: Cláudia Giudice em a vida sem crachá?” Comecei a fazê-lo, fez sucesso e segui escrevendo. Quando recebi uma indenização trabalhista, decidi me contratar para escrever. Tenho mais quatro anos de contrato.

 

Portal Renata Spallicci – E o livro, qual foi seu processo para escrevê-lo?

Cláudia Giudice – Um dia, a editora executiva da Harper Collins leu um texto meu e me convidou para escrever o livro. Ele foi escrito em São Paulo e em Arembepe, na Pousada, durante as férias de verão deste ano.

 

PRS – Você lançou o livro faz pouco mais de um mês. Como ele vem sendo recebido?

CG – Muito bem. Já foi para a segunda impressão, e tenho feito muitas palestras pelo Brasil. Estou muito feliz com o resultado.

 

PRS – Pelo que percebemos, boa parte das pessoas que estão nas grandes corporações não estão felizes e sonham com seus planos B. Por que você acha que o mercado de trabalho como conhecemos está tão desgastado? Você percebe algum novo modelo possível?

CG – Eu acho que a insatisfação está relacionada às metas cada vez mais agressivas, que, em determinado momento,  se tornam insustentáveis. Não é possível crescer, crescer e crescer. Agora, com a crise, então, tudo fica muito mais difícil. Outro ponto são as novas gerações que não têm o mesmo nível de resiliência dos mais velhos. Os filhos da geração X e Y não têm paciência. Ficou chato, ficou duro, pedem para sair.

 

PRS – Hoje a relação das empresas com as vidas das pessoas é muito intensa. As pessoas cantam no coral da empresa, fazem academia na empresa, tem o plano de saúde e de aposentadoria da empresa e, quando são demitidas, elas não perdem somente um emprego, elas perdem a vida, ou como você bem definiu, “arrancam sua pele junto com o crachá”. Como se consegue viver neste ambiente?

CG – É difícil, muito difícil. Eu achava que dividia bem pessoa física e jurídica e me equivoquei. Acho que uma saída é não sucumbir aos confortos do mundo corporativo. Tenha seu e-mail particular, seu número de celular, sua própria vida. E, principalmente, tenha o seu plano B para a hora em que essa encarnação acabar.

 

PRS – Você acha que, se não tivesse sido demitida, ainda estaria na editora e fazendo o mesmo trabalho que fazia? Ou este novo plano já vinha se desenhando na sua cabeça?

CG – Sim, acho que ainda estaria lá, porque gostava muito do que fazia e porque tinha uma relação de muita paixão pela empresa. Meu plano de mudança de vida era para 2020, quando faria 55 anos e pretendia me aposentar do mundo editorial.

 

PRS – Com o blog e o livro você se mantém no meio que domina, o da escrita. Mas e a administração da pousada? Como conseguiu encarar esse desafio  e conseguir resultados tão bons em pouco tempo?

CG – Fui executiva durante nove anos. Tive equipes enormes e desafios absurdos. Era uma gestora. Fiz planejamento estratégico e operacional. Todo esse aprendizado e experiência ajudaram muito no processo de montagem, gestão e lançamento da pousada. Depois, o que funcionou foi um trabalho duro. Pego no pesado mesmo. Sou exigente. Ofereço qualidade e preço justo. E, para ajudar, minha sócia e eu temos muitos amigos, que trouxeram outros amigos, que trouxeram outros amigos.

 

PRS – E como está sendo essa experiência de ser dona do próprio negócio. Imagino que tem as suas dificuldades, né? Quais estão sendo as mais difíceis para você gerenciar?

CG – Estou gostando muito da experiência de ser dona do meu negócio. As dificuldades são as mesmas de um gestor. Lidar com gente. Equipe, clientes, fornecedores. No momento, o que mais me preocupa é a volta da inflação. Vendemos diárias com muita antecedência. E, definitivamente, foram anos muito duros os de 1980 e 90, quando vivemos a hiperinflação. No mais, gosto muito desse trabalho. Escrever e servir são meus grandes prazeres.

 

PRS – Claro que não existe uma receita, mas que conselhos você daria para uma pessoa que quer mudar sua trajetória profissional?

CG – Ter um plano B. Descobrir algo que goste muito de fazer. Pesquisar sobre isso. Descobrir se é viável e começar a planejar a virada. É muito importante ter isso em mente, especialmente porque hoje se vive muito e é possível ter uma, duas, três carreiras na mesma encarnação. (Risos).

Busque seu propósito. Deixe  seu legado.

Rê Spallicci