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Diversidade & Inclusão

A história das lutas femininas

Conheça a história do feminismo e sobre o momento das lutas das mulheres

 13 de julho de 2018
13 min de leitura

Protagonistas - A Evolução da Mulher

Eu sou uma defensora incansável das lutas femininas. Por atuar no mundo corporativo, como executiva, acabei sempre levantando mais as bandeiras da mulher no mercado de trabalho, como igualdade de oportunidades e de salário, assédio moral, entre outras. Mas tenho consciência de que a luta da mulher vai muito além destas questões e de que há muitos outros embates acontecendo pelo Brasil e pelo mundo.

Por este motivo, hoje dou início à série Protagonistas, que vai mostrar, discutir e dar foco às diversas lutas feministas, em seus mais variados espectros.

E, para abrir esta série, nada melhor do que uma profunda conhecedora e estudiosa do tema: Carla Cristina Garcia. Ela é Mestre e Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutorada pelo Instituto José Maria Mora (México, DF). É professora da PUC-SP, no programa de estudos pós- graduados em Psicologia Social e Ciências Sociais, e autora de diversos livros que têm as mulheres e o feminismo como tema central.

Neste bate-papo, Carla nos conta sobre o feminismo na perspectiva da história ocidental, fala do feminismo hoje e nos oferece um panorama completo para que possamos entender melhor o assunto! Confira:

Feminista desde sempre

Luta feminina

Rê Spallicci – Conte-nos um pouco sobre como e quando começou a estudar o feminismo e por que escolheu este tema.

Carla Garcia – Escolhi o feminismo desde sempre… Estudei Ciências Sociais na PUC, fiz minha iniciação científica lá, meu TCC, mestrado, doutorado, pós-doutorado e tudo sempre sobre este tema.

Ou seja, eu estudo os feminismos desde meus 17 anos, ainda uma menina. A vida toda me incomodou o lugar de insubordinação da mulher e, por isso, nunca mudei de assunto. E vou morrer escrevendo e orientando teses sobre o tema,  porque ainda há muito o que  fazer e estudar para ampliar discussões que, às vezes, parecem que já  estão superadas, mas, infelizmente, ainda não estão.

RS – Sem dúvida, esse “lugar de insubordinação da mulher” mexe com a gente, incomoda…

Sim. Na verdade, costumo afirmar que a primeira onda do feminismo na história tem início na Revolução Francesa, no final do século XVIII. O estado moderno que surgiu naquele episódio não considerou a mulher como uma cidadã ativa e manteve a posição de subordinação feminina. Como resposta a isso, Olympe de Gouges escreve a Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã, o primeiro documento que realmente afirmou os direitos da mulher.

RS – E, a partir daí, outras ondas se sucederam?

CG – Isso mesmo, outras ondas de feminismos vieram. Sempre me refiro assim, aos feminismos, no plural, porque precisamos lembrar que existem vários feminismos. No século XIX, por exemplo, tivemos a onda do sufrágio universal, mas que foi também a onda do feminismo comunista e anarquista (socialistas).

RS – Na verdade, a luta da mulher estava inserida e se mesclava com todo o contexto político, econômico e social da época?

CG – Nem poderia ser diferente. Aquele era o momento dos movimentos sociais, por isso, a luta não era somente a luta do sufrágio, do voto, que é a bandeira das feministas liberais, na sua maioria, burguesas. Havia ali, simultaneamente, um gama de feministas históricas dos movimentos sociais socialistas, tanto comunistas como anarquistas, que reivindicavam uma sociedade mais justa e menos desigual, diferente daquela que o capitalismo imprimiu a partir da Revolução Industrial.

RS – E outras ondas vieram…

Com certeza. A terceira onda teve início no final da Segunda Guerra Mundial, principalmente com a publicação da obra “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir, em 1949. Depois, em 1963, Betty Friedan lançou o seu “A Mística Feminina”. São duas obras literárias que marcam um período muito difícil na vida das mulheres – período que vai do pós-guerra até as lutas pelos direitos das mulheres, dos LGBTs, dos negros, nos Estados Unidos, na década de 1960. Esta onda é daquele feminismo que a gente hoje conhece melhor, o das grandes reivindicações dos anos de 1960 e 70,  em que  o corpo e a sexualidade feminina entram em pauta e as lutas do feminismo da diferença começam a aparecer .

CG – E que “onda” vivenciamos hoje?

Eu acredito que ainda estamos na terceira onda. A diferença é que temos, hoje, ferramentas diferentes para lutar pelas mesmas bandeiras que começaram a surgir nos anos 1960, 1970, 1980… Há novas pautas aparecendo, mas os velhos problemas persistem: salários desiguais, sociedade que subordina a sexualidade feminina ao domínio masculino, violência contra a mulher… Por isso, acredito que estamos justamente em um momento de reavivar bandeiras históricas do feminismo – tanto do feminismo da igualdade quanto do feminismo da diferença.

 

Marcos do Feminismo

RS – Como você definiria o momento que atravessamos hoje no que diz respeito à igualdade de gêneros?

CG – Os feminismos estão em alta e de novo na mídia. Isso traz muita gente que não milita, se achando feminista, muita gente que não sabe do que se trata e fala “sou feminista, mas sou feminina”, enfim, equívocos horrorosos. Mas também dá visibilidade a jovens feministas sérias que não estão deixando nada passar barato. Vejo hoje uma rede de jovens feministas que estão muito atentas, observando os momentos em que o patriarcado tenta extrapolar e lutam contra.  Vimos isso na Argentina, com a movimentação pela aprovação do aborto legal, em Washington, com a marcha das mulheres em relação à eleição do Trump, na Espanha, com as grandes manifestações que aconteceram em relação ao estupro coletivo, entre outras pautas.

Não sei se estamos presenciando o nascimento de uma quarta onda, mas, de qualquer forma, estamos em um momento muito importante, por causa da volta da pauta feminista, muito em função das redes e da divulgação que os movimentos acabam tendo.

RS – A internet, então, é essencial neste movimento?

CG – Como para tudo, há uma Importância da internet para o bem e para o mal. Ao mesmo tempo que temos grupos absolutamente desinformados, os das fakes news, temos muitos grupos sérios que têm na rede um veículo essencial para divulgar ideias que são fundamentais para a luta pela igualdade de direitos das mulheres em todos os cantos do mundo.

Além disso, a internet possibilitou que grupos pequenos de feministas acabassem se conhecendo, criando uma rede de solidariedade em todo o mundo. Isso certamente fez com que o movimento pudesse se acelerar. Hoje conhecemos as lutas das mulheres na Índia, na América Latina, a luta das mulheres árabes e das mulheres do continente africano. Neste sentido, eu atribuiria à internet a possibilidade de termos mais conhecimento, e, principalmente por parte de pessoas mais sérias, de ampliar o debate do feminismo da maneira que tem se ampliado nos últimos anos.

Entenda os termos:

Termos - Feminismo - Machismo - Femismo

RS – Vivemos em uma sociedade patriarcal, e o Brasil, em especial, possui muitos traços machistas. Como vê a luta das mulheres em nosso País?

CG – Sim, vivemos no patriarcado! Ainda que várias  teóricas de outros lugares do mundo, que não América Latina, digam que o patriarcado acabou, morreu, enfraqueceu, este não é o nosso caso. No Brasil, temos uma sociedade feminicida. O índice de assassinatos de mulheres por parte de homens conhecidos, como pais, maridos, ex-namorados é um dos mais altos do mundo. Acho que, neste sentido, as feministas brasileiras ainda estão lutando para se manterem vivas. Então, além de tudo o que temos de conquistar em termos de direitos salariais, educacionais, de liberdade, ainda temos de tentar nos mantermos vivas. Enquanto este índice de feminicídio não abaixar, a coisa mais feminista que podemos fazer é tentar nos mantermos vivas e manter as demais mulheres vivas.

Outro ponto importante que vejo é a questão da maternidade. O aborto legal é uma pauta geral internacional e, em particular, latino-americana. Sempre é importante lembrar que, na América Latina, a maternidade também é política. Não é somente a gente decidir o que fazer com nosso corpo e com as gestações que não queremos levar adiante. No Brasil, na Argentina, as mães precisam também manter seus filhos vivos: longe das botas dos ditadores, das botas das milícias. A maternidade na América do Sul e no Brasil tem se pautado por isso… Temos que nos lembrar dos clubes de mães, das mães da Praça de Maio, enfim, dos movimentos políticos de mães que levam dentro de si todo o contexto politico de opressão, repressão e violência que as nossas sociedades sul-americanas têm…  Por isso sempre tenho dúvidas sobre estarmos vivendo uma quarta onda,  porque aqui ainda estamos tentando nos manter vivas e manter nossos filhos longe das violências políticas e das ditaduras.

RS – Em um momento no qual o feminismo e os direitos das mulheres estão  em evidência, como um candidato à presidência que apoia ideias machistas e retrógradas está com tantas intenções de voto? Acha que é uma resposta natural ao avanço das conquistas das mulheres?

CG – Sim, há um movimento mundial de direita em alta. Um retrocesso à direita com ideias machistas, xenófobas, contra os movimentos LGBTs, etc. Há um momento no mundo de retrocesso nas conquistas dos direitos de todos os tipos de gente… Cada vez que você tem muitas conquistas das ditas minorias sociais aparecendo, você tem aquilo que a gente chama de backlash, um termo em inglês que representa essa reação patriarcal. A ofensiva patriarcal que vem pra cima desse tipo de movimento de libertação. Isso pode ser visto em todos os momentos do feminismo ocidental.

RS – Qual a importância da educação na luta pela igualdade de gêneros?

CG – Não há outra maneira de se pensar a evolução humana que não seja pela educação. Sou suspeita para falar, porque desde os sete anos de idade eu nunca pensei em ser outra coisa que não professora. A educação é capaz de transformar o ser humano a ponto de ele querer continuar lutando por um mundo mais justo. A educação pela igualdade de gêneros, não tenho nenhuma dúvida, é capaz de fazer a criança entender que não há diferença na cognição, não há diferença em absolutamente nada em relação àquilo que a mulher pode fazer quando crescer. Astronauta, cozinheira, a mulher pode ser o que quiser: os cérebros não têm sexo.

RS – E como o homem pode ser inserido neste processo?

CG – O homem está inserido nesse processo desde sempre. O homem é feminista desde que ele entenda que não é protagonista, e o microfone não está na mão dele. Esta é a questão fundamental de entender. Nesta luta, os homens são colaboradores, estão ao lado. O jeito masculino de ser feminista é ficar o tempo inteiro  atento às suas próprias ações machistas e trabalhar na desconstrução da sua masculinidade tóxica. É dar um toque dentro do vestiário do futebol, no escritório, no cafezinho, toda vez que um colega estiver sendo machista. Ninguém nasce homem, mas se torna homem… E que homens estes meninos querem se tornar, reproduzindo a masculinidade tóxica que mata a todos: homens e mulheres? Seja pela guerra, pelas violências, seja pelo tipo de masculinidade ligado à agressividade, do homem sem medo, que não chora, que não pode mostrar vulnerabilidade… O melhor jeito de o homem se incluir é abraçar a humanidade, se construindo e desconstruindo todo dia e educando seus filhos nesta desconstrução.

Wow! Que aula! Espero que tenham curtido e aprendido tanto quanto eu com este bate-papo! E fiquem atentos que, em breve, teremos mais artigos da série Protagonistas discutindo as lutas femininas!

 

Assista ao vídeo da querida Camila Faiçal no meu canal do YouTube!

 

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Rê Spallicci