Entender conceitos básicos é essencial no processo de diversidade e inclusão
Por: Elizabete Scheibmayr
Antes de falarmos sobre diversidade e inclusão, precisamos explicar alguns conceitos. O primeiro conceito que devemos entender é raça e etnia. “‘Raça’ e ‘etnia’ foram e continuam a ser usadas como formas de descrever a diversidade humana”, disse Nina Jablonski, antropóloga e paleobióloga da Universidade Estadual da Pensilvânia.
Diferença entre raça e etnia
“A raça é entendida pela maioria das pessoas como uma mistura de atributos físicos, comportamentais e culturais. A etnia reconhece as diferenças entre as pessoas principalmente com base no idioma e na cultura compartilhada.”
Em outras palavras, a raça é frequentemente percebida como algo inerente à nossa biologia e, portanto, herdado através das gerações. Por outro lado, a etnia é normalmente entendida como algo que adquirimos, ou autoatribuímos, com base em fatores como onde vivemos ou a cultura que compartilhamos com outras pessoas.
Verificando essas definições, observamos que elas estão bastante equivocadas, isso porque a questão de raça versus etnia, na verdade, expõe falhas importantes e persistentes em como definimos essas duas características, especialmente quando se trata de raça, à qual foi dado um impacto social desproporcional na história humana.
A ideia de “raça” originou-se de antropólogos e filósofos do século 18, que usavam a localização geográfica e traços fenotípicos, a exemplo da cor da pele, para situar as pessoas em diferentes agrupamentos raciais. Isso não apenas formou a noção de que existem “tipos” raciais separados, mas também alimentou a ideia de que essas diferenças tinham uma base biológica.
Esse princípio equivocado lançou as bases para a crença de que algumas raças eram superiores a outras – criando desequilíbrios de poder globais que beneficiaram os europeus brancos sobre outros grupos, na forma do comércio de escravos e do colonialismo.”Não podemos entender raça e racismo fora do contexto da história, e mais importante da economia.Os efeitos dessa história prevalecem hoje – mesmo nas definições atuais de raça , onde ainda há uma suposição subjacente de que traços como cor da pele ou textura do cabelo têm fundamentos genéticos e biológicos que são completamente exclusivos de diferentes grupos raciais. No entanto, a base científica para essa premissa simplesmente não existe.”
Após uma breve explicação do que seja raça e etnia, vamos entender o que é o racismo estrutural.Segundo o Portal Brasil de Direitos, racismo estrutural é a “naturalização de ações, hábitos,situações, falas e pensamentos que já fazem parte da vida cotidiana do povo brasileiro, e que promovem, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial”.
Silvio Luiz de Almeida, filósofo, jurista e professor universitário defende que a forma como a sociedade é constituída reproduz parâmetros de discriminação racial, no campo da política e da economia, sendo o racismo estrutural naturalizado como parte integrante do meio social.
Quando falamos de racismo, algumas pessoas não entendem qual a diferença entre racismo, preconceito, estereótipo e discriminação.
O racismo é a crença de que os membros de uma etnia possuem características, habilidades ou qualidades específicas desta etnia e, portanto, seriam uma “raça” superior às outras. A palavra estereótipo se origina no grego stereos e typos, compondo uma “impressão sólida”. Uma marca ou clichê como forma de caracterizar ou representar pessoa, objeto ou grupo social. É a imagem preconcebida de determinada pessoa, coisa ou situação. São usados principalmente para definir e limitar pessoas ou grupos de pessoas na sociedade. O estereótipo é geralmente imposto, segundo as características externas, tais como a aparência (cabelos, olhos, pele), roupas, condição financeira, comportamentos, cultura, sexualidade, sendo essas classificações(rotulagens) nem sempre positivas que podem, muitas vezes, causar certos impactos negativos nas pessoas.
A discriminação refere-se ao tratamento injusto ou negativo de uma pessoa ou grupo, por ela pertencer a certo grupo (como etnia, idade ou gênero). É o preconceito ou racismo em forma de ação. O preconceito é uma opinião feita de forma superficial em relação a determinada pessoa ou grupo, que não é baseada em uma experiência real ou na razão.
Após entender todos esses conceitos, precisamos agora entender que a diferença entre igualdade e equidade é a melhor maneira de compreendermos este conceito – uma imagem que vale por mil palavras.
IGUALDADE e EQUIDADE
A igualdade não basta em nossa sociedade. É injusto aplicar condições iguais a pessoas de realidades tão diferentes. É desejável que haja a diversidade, a equiparação de direitos – a equidade.
Diversidade é a gama de diferenças humanas, incluindo, mas não se limitando à raça, etnia, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, idade, classe social, capacidade física ou atributos, sistema de valores éticos ou religiosos, origem nacional e crenças políticas. Inclusão é envolvimento e capacitação, em que o valor e a dignidade inerentes a todas as pessoas são reconhecidos. Uma universidade inclusiva promove e mantém um sentimento de pertença; ela valoriza e pratica o respeito pelos talentos, crenças, experiências e modos devidos a seus membros.
Quando se fala sobre diversidade étnico-racial é muito importante entender o contexto histórico no qual a sociedade brasileira está estruturada. Tivemos um processo de abolição que não garantiu qualquer direito para a população negra, colocando-a à margem da sociedade. A população negra, assim considerada as pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, segundo dados do IBGE, representa 56% da população brasileira, todavia, esta representatividade não é vista apenas quando se fala em dados negativos (desemprego, população carcerária, etc).
O número de profissionais negros em cargos de liderança representa 4,6% segundo dados do Instituto Ethos e, quando se fala em mulheres negras em cargos de liderança, este índice é ainda menor, representando apenas 0,4%.
E ainda, há baixa representatividade de negros na política, na mídia e nas escolas de elite, no judiciário e em outros cargos de poder. Após a implantação de políticas afirmativas, houve melhoras em alguns índices, principalmente em relação ao número de jovens negros nas universidades públicas. Todavia, ainda é um processo muito lento.
Cabe destacar, ainda, que, em virtude dos eventos de maio de 2020 (a morte do George Floyd) e o Black matter lives, houve um despertar do mundo e da sociedade brasileira para o tamanho da desigualdade e a consciência de que tal situação precisa mudar e mudar rapidamente. As lideranças, personalidades públicas e políticos passaram a entender que não basta apenas não ser racista, mas é necessário um posicionamento claro e contundente contra o racismo.
Pesquisas como as realizadas pela Mckinsey demonstram que diversidade dá lucros para empresas, mas ela não pode ser a única motivação para que a sociedade seja mais justa e mais inclusiva. A motivação deve estar no fato de que isto é o certo a se fazer.
Elizabete Scheibmayr
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Elizabete Leite Scheibmayr, matemática, advogada, co-fundadora da Uzoma Diversidade Cultura e Educação, membro do Grupo Mulheres do Brasil Lider dos Comitês de Igualdade Racial e Combate à Violência contra a Mulher, palestrante sobre os temas diversidade, liderança feminina e violência contra a mulher. Mentora do Programa Pulsar da Fundação Éveris e do Programa Nós por Elas do IVG