O que é o racismo estrutural
Por: Arthur Bugre
Outro dia, estava esperando o Uber com minha namorada, quando um rapaz veio para cima de mim. Muito nervoso, ele perguntou à minha namorada (uma mulher branca) se aquilo era um assalto. Na cabeça desse rapaz, um corpo negro em ambientes públicos só pode ser lido como bandido. Sem dúvida, ele foi racista. Mas existem outras situações em que o racismo se manifesta de formas muito mais veladas que, muitas vezes e convenientemente, passam despercebidas.
O racismo a brasileira
Frequentemente sou perseguido por seguranças dentro de lojas. Por isso, passei a evitar movimentos bruscos, fico longe das prateleiras e não abro bolsas ou sacolas para evitar acusações de roubo.
Em 2014, fui finalista de um prêmio de jornalismo. Não ganhei, mas aproveitei bem a festa! No entanto, durante essa confraternização, o racismo se manifestou. Outro jornalista – sem olhar para mim – estendeu um prato em minha direção e falou que queria ser servido. Rapidamente, eu percebi o que estava acontecendo e resolvi ver até onde ele iria. Fiquei imóvel, olhando-o fixamente, mas ele, com um tom mais elevado, continuou a falar o que desejava, enquanto sacudia o prato.
Finalmente, ao olhar para meu rosto, ele percebeu o que tinha feito, colocou o prato na mesa e, bem baixinho, pediu desculpas, afastando-se depressa. Muito indignado, comentei o ocorrido com uma colega, mas escutei que aquilo era coisa da minha cabeça.
Não há nada de errado ou indigno em trabalhar como garçom. O problema é quando apenas esses postos e espaços são vistos com naturalidade para a comunidade negra. O que leva as pessoas a naturalizarem a ausência de negros em postos de destaque? Por que, em diferentes momentos de minha vida, as pessoas duvidaram e ainda duvidam se realmente sou jornalista ou licenciado em história? Essas situações são absurdas, exaustivas e humilhantes.
Esse racismo é fruto de um sistema que faz parte das principais estruturas fundadoras da sociedade brasileira. Estou falando do racismo estrutural que se manifesta por olhares, deboches, sussurros ou na forma de tratamento!
“Aqui, o racista é sempre o outro. Pesquisas apontam que 97% dos entrevistados afirmam não ter qualquer preconceito de cor, ao mesmo tempo em que admitem conhecer, na mesma proporção, alguém próximo (parente, namorado, amigo, colega de trabalho) que demonstra atitudes discriminatórias. É o chamado “racismo à brasileira” – fruto dileto da cínica e equívoca “democracia racial”, conceito que vem justificando, ao longo da história, a manutenção de um dissimulado apartheid, que segrega a população não branca à base da pirâmide social.” – Jornal El Pais (2014).
Quer entender melhor o que é racismo estrutural?
O tráfico negreiro para o Brasil começou por volta de 1535. Por mais de 300 anos, a barbárie, a tortura e a falta de empatia separaram famílias e feriram, adoeceram e mataram pessoas negras.
Em 1888, o Brasil foi o último país da América a encerrar oficialmente a escravidão. Mas não foram criadas políticas públicas para essas pessoas. Sem terras, sem direitos, sem acesso à educação e saúde, sem cidadania. Em vez de capacitar a comunidade negra recém-liberta, o Brasil acabou adotando políticas de incentivo à imigração de mão de obra da Europa, abandonando os ex-escravos e descendentes à própria sorte.
Desde o fim da escravidão, essa ausência de políticas públicas reparatórias e a crescente desumanização das vidas e dos corpos negros fortaleceram ainda mais o racismo no País. Não é possível combater o racismo sem entender que ele é estrutural. Essa conta não pode ser cobrada apenas da cultura popular que ajudou a naturalizar a discriminação no imaginário social com piadas, xingamentos e expressões racistas, por exemplo.
Silvio Almeida, advogado, filósofo e professor universitário, explica em seu livro “O que é racismo estrutural” que o racismo integra a organização econômica e política brasileira e, desde os primórdios, foi fortalecido pelas teorias filosóficas, jurídicas e científicas no Brasil.
Quer exemplos desse racismo estrutural?
– A população negra corresponde a 64% dos encarcerados e apenas 15,6% dos magistrados, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) e o Censo do Poder Judiciário.
– O desemprego da população parda ou preta é maior do que a de brancos, chegando a um recorde no segundo trimestre em 2020: 71% maior, segundo o IBGE.
– 75,7% das vítimas de homicídios são negros, segundo o Atlas de Violência.
Segundo Silvio Almeida, “mais do que a consciência, o racismo como ideologia marca o inconsciente”.
Quer exemplos de situações racistas que acontecem todos os dias?
– Quando você está em um restaurante ou bar, quantos consumidores são pessoas negras?
– Quantas pessoas negras moram em seu condomínio? Por que quase não há alunos negros na escola particular de seu filho?
– Qual é o imaginário das elites brasileiras em relação às pessoas negras?
E a linguagem também nunca é inocente…
E por ai vai…
Em alguns casos, a prática racista é justificada por falta de discernimento ou problemas psiquiátricos, como se não existisse racismo e esses casos fossem isolados. O que é um grande erro!
A tese de que vivemos em uma democracia racial é dissimulada e cínica. Não é possível lutar contra o racismo e buscar soluções para as muitas desigualdades no Brasil sem ações concretas de enfrentamento ao racismo estrutural.
Além de políticas públicas, você que está lendo este texto precisa mudar sua forma de pensar. O primeiro passo é admitir que já reproduziu racismo, ainda que sem querer. Também é importante:
– Reconhecer privilégios;
– Questionar a ausência de negros nos espaços;
– Humanizar pessoas negras;
– Estudar sobre racismo estrutural, institucional e recreativo, diversidade e inclusão.
Então pesquise, leia autores negros, assista a vídeos sobre o assunto. Você vai entender ainda mais sobre como ele se manifesta e as formas de combatê-lo.
Arthur Bugre
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Arthur Bugre é um homem negro e trans, natural de Belo Horizonte (completa 35 anos em 08/06). Ele estudou jornalismo na PUC Minas, mesma instituição em que cursou Coach. Há mais de 10 anos trabalha em uma rádio e já ganhou diversos prêmios de jornalismo nacionais e regionais, principalmente com temáticas sobre direitos humanos. Também é formado em História pela UFMG. É empreendedor digital (Blog e Instagram Bugre Moda) e ativista dos direitos LGBT+ e da população negra. Arthur é palestrante sobre diversidade e inclusão no ambiente de trabalho. Ele também realiza mentorias e treinamentos sobre diversidade e gestão humanizada para empresas. Além disso, oferece mentoria principalmente para integrantes da comunidade negra e trans sobre autoconhecimento e autoestima. Ele também é o criador do instagram @homenstransnegros, que tem como objetivo oferecer visibilidade e representatividade para os homens negros trans.