Copa do Mundo 2019 da França colocou modalidade em um novo patamar e acendeu a luta pelos direitos iguais entre atletas masculinos e femininos
Hoje, 19 de julho, é Dia Nacional do Futebol. E achei a data pra lá de oportuna para abordar um tema sobre o qual há tempos estava querendo escrever: o crescimento e o novo status do futebol feminino no Brasil e no mundo!
Este assunto para mim não é algo novo, e que eu tenha resolvido abordar para surfar na popularidade que o esporte atingiu por ocasião da Copa do Mundo Feminina, disputada no mês passado, na França.
Afinal, ano passado, em plena Copa do Mundo Masculina, realizada na Rússia, lancei a série “Elas na Copa”, onde abordei a situação das jornalistas mulheres que trabalham no futebol, das árbitras, jogadoras e torcedoras!
Então, nada melhor do que voltar ao tema, um ano depois, mas com uma nova perspectiva.
A maior Copa Feminina da história
Certamente, a Copa do Mundo 2019 ficará marcada como a que colocou o futebol feminino em um novo patamar, em todo o mundo. O primeiro indicador de que esta Copa seria diferente de todas as outras se deu já na venda dos ingressos para a competição. Nunca em uma Copa do Mundo feminina se havia vendido tantas entradas como aconteceu no mundial francês.
Mas o grande indicador certamente se deu na audiência da televisão em várias partes do mundo.
Segundo dados preliminares da FIFA, a Copa atraiu a atenção de mais de 1 bilhão de pessoas, em 135 países.
Aqui no Brasil, estabelecemos um novo recorde de audiência da modalidade. Mais de 30 milhões de telespectadores acompanharam a derrota da seleção para as anfitriãs francesas. O número foi impulsionado pela Globo que, pela primeira vez, transmitiu o torneio em rede nacional e atingiu aproximadamente 30 pontos de audiência, superando o registrado pelos Estados Unidos na final da Copa de 2015.
#ORGULHO DO ESPAÇO QUE CONQUISTAMOS NA IMPRENSA!
Naquela ocasião, cerca de 25 milhões de americanos haviam assistido à vitória de sua seleção sobre o Japão. Com a transmissão do Mundial, a maior emissora brasileira contabilizou mais espectadores que a média do horário em todos os jogos da equipe canarinha.
Na final do torneio, mesmo sem a presença de nossa seleção, a audiência também foi assustadora: dados prévios da Kantar Ibope indicaram que, na Grande São Paulo, a partida alcançou 20 pontos de média com 39% de share, que é a participação de televisores sintonizados na atração em relação ao total de aparelhos ligados no horário.
Esses números representam um crescimento de 8 pontos ou 67% na mesma faixa nos últimos quatro domingos. Em relação ao share, o crescimento foi de 10 pontos percentuais comparado ao mesmo período.
Já na Espanha, um total de 1,3 milhão de telespectadores viu, nas oitavas de final, a derrota da Fúria para as norte-americana. As espanholas jamais haviam passado da fase de grupos no Mundial feminino. Os quatro jogos da seleção tiveram uma média de 892.000 espectadores. O duelo contra as atuais campeãs mundiais foi o mais assistido até hoje na Espanha, envolvendo a seleção local, e estabeleceu o recorde da temporada para a GOL, que tem as duas primeiras mulheres narradoras de futebol no país, Danae Boronat e Sara Giménez.
Sede do torneio, a França, assim como o Brasil, também transmite os jogos da Copa em TV aberta, pela rede TF1. Na abertura do Mundial, diante da Coreia do Sul, a emissora foi sintonizada por 44% dos televisores no país, com picos de 11 milhões de pessoas —triplicando a maior audiência já alcançada com um jogo feminino até então.
Outro recorde batido vem da Inglaterra, onde a partida do English Team contra a Escócia somou mais de 6 milhões de espectadores. Na Argentina, segundo a TV pública que transmite o Mundial, pela primeira vez, um embate televisionado entre mulheres no futebol teve cifra superior a 1 milhão de telespectadores em todo o país.
A Holanda, uma das sensações do torneio dentro e fora de campo, celebra a popularização da modalidade com um interesse sem precedentes por sua seleção feminina.
O jogo das oitavas de final contra o Japão foi visto por mais de 3,5 milhões de pessoas, quase um quarto da população holandesa. O número é superior à audiência da final da Liga das Nações, em que a seleção masculina da Holanda acabou derrotada por Portugal. Na Itália, o confronto da equipe feminina com o Brasil rendeu 7,3 milhões de telespectadores. Dez dias antes, a Azzurra masculina havia enfrentado a Grécia pelas Eliminatórias da Eurocopa, registrando 2 milhões a menos de audiência que as mulheres na Copa.
Emissora oficial nos Estados Unidos, a FOX praticamente dobrou seus números em relação à edição de 2015. Já em comparação ao Mundial de 2011, o incremento de audiência é de 80%.
Bom nível técnico
Mas não foram somente os números de audiência que comprovam que o futebol feminino está em novo patamar. O nível técnico das partidas também foi um ponto de destaque durante o mundial.
Jornalista do site Máquina de Esportes, Duda Lopes, fez uma análise interessante sobre o quanto o mundial deu ao futebol feminino um novo padrão.
“Uma prova disso é a diminuição do discurso sobre adaptações de regras para as mulheres. No passado, graças ao baixo nível técnico, não faltaram indicações para campo reduzido e até mesmo um gol mais encolhido. Algo que parece estranho hoje ao assistir a algumas das jogadoras do atual mundial. Mas a evolução é recente. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, há apenas três anos, não faltaram falhas grosseiras de goleiras no torneio de futebol feminino, algo que tira o encanto do esporte e, certamente, afasta os torcedores dos estádios. Porém, com o tempo, fica mais claro que as falhas não estavam ligadas ao gênero das atletas, mas sim, à condição de amador que o esporte manteve por anos. Com jogadoras mais bem preparadas física e taticamente, o campo passou a não ser tão grande assim. E, nessas condições, os jogos deram saltos enormes na qualidade técnica e deixaram o produto muito mais interessante para os torcedores. Com suas características próprias, a tendência é que a modalidade ganhe seus atrativos particulares e se distancie da comparação com os homens, como acontece em esportes como o vôlei e o tênis. Com um bom produto, a roda gira com uma facilidade muito maior”, analisou.
A Copa da busca pela igualdade
E, é claro que não podemos falar deste mundial sem destacar ações de atletas,a exemplo da seis vezes melhor do mundo, a brasileira camisa 10, Marta, ou da capitã americana, Rapinoe.
Marta, considerada a maior atleta da modalidade em toda a história, e agora também a maior artilheira de todas as Copas do Mundo, masculinas e femininas, entrou em campo na Copa com uma chuteira diferente.
Ao invés de ostentar um calçado multicolorido com a marca estampada de uma fornecedora de material esportivo, que pagam cifras milionárias para os principais jogadores utilizarem seu produtos, Marta usou uma chuteira preta com o logotipo da campanha GoEqual, para mostrar a sua indignação com a diferença entre os valores pagos às atletas femininas, comparativamente aos atletas masculinos.
Apesar dos títulos, Marta não está na lista da revista Forbes dos jogadores mais bem remunerados do mundo, segundo a qual os ganhos anuais de Neymar seriam da ordem de US$ 90 milhões, ou cerca de R$ 346 milhões. Estima-se que Marta ganhe US$ 400 mil (R$ 1,5 milhão) ao ano, cerca de 225 vezes menos que o craque da seleção masculina.
A discrepância nos prêmios concedidos pela Fifa, nos campeonatos masculino e feminino, também salta aos olhos. Na Copa de 2014, os valores recebidos pela seleção campeã, Alemanha, foi 17 vezes maior que aquele que a seleção feminina dos EUA levou para casa junto com a taça da Copa do Mundo de futebol feminino, no ano seguinte.
Capitaneadas dentro e fora de campo por Megan Rapinoe, as jogadoras da seleção americana resolveram peitar essa disparidade em território nacional. Vencedoras de quatro dos oito campeonatos mundiais femininos, elas têm questionado diferenças de tratamento em relação a seus pares masculinos, em batalhas judiciais contra a federação do esporte.
O caso americano não deixa de ser irônico: o time delas compõe a melhor equipe do mundo, o deles, famoso pelo desempenho sofrível, obteve sua melhor classificação na longínqua Copa do Mundo de 1930.
Elas também denunciaram outras diferenças de tratamento baseadas no gênero, com o fato de a seleção masculina viajar apenas em voos fretados, regalia que elas não recebem da mesma instituição, a US Soccer.
Outro ponto que o futebol feminino ainda precisa caminhar diz respeito às comissões técnicas. Apenas oito das 24 seleções femininas da Copa de 2019 tiveram técnicas mulheres. Mas duas delas –Corinne Diacre da França e Shelley Kerr da Escócia– já estão à frente, também, de equipes profissionais masculinas em seus países.
A esperança no Brasil
Que todos estes números de sucesso na audiência reflitam no Brasil em maior incentivo e patrocínio ao esporte. Mais do que uma seleção forte é essencial que tenhamos clubes fortes e um calendário que faça com que o futebol feminino seja uma realidade sempre, e não somente em anos de Copa ou de Olimpíadas.
O Campeonato Brasileiro da modalidade está a todo vapor e cabe a nós, como torcedoras, também contribuir para a evolução do esporte, prestigiando nossos times e nossas atletas!
Que a Copa do Mundo da França não tenha sido um momento de sonho, mas que seja realmente o início de um novo momento para um esporte no qual as mulheres já chegaram a ser proibidas de jogar!
E que, mais uma vez, este seja um espaço também nosso, no qual possamos mostrar que lugar de mulher é, sim, no campo, na arquibancada, nos microfones das transmissões e onde mais a gente quiser!
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Rê Spallicci