Como será o mundo que encontraremos pós-pandemia?
Ontem comemoramos a Páscoa, um feriado que, independentemente das crenças religiosas, traz o simbolismo do renascimento, do início de um novo ciclo e uma nova vida. E talvez nunca tenhamos tido tanto a necessidade de dar início a uma nova era como agora. Afinal, ansiamos por que estes duros dias da pandemia do Coronavírus fiquem para trás, para que possamos voltar às nossas rotinas, nossas vidas “normais” e para que tenhamos, novamente, a oportunidade de estarmos perto daqueles a quem amamos.
Mas será que o início desta nova vida e deste novo ciclo vai representar simplesmente uma volta a nossa vida pré-pandemia? Será que mundo “normal” será o mesmo de antes? Ou será que a magnitude dessa situação nos levará a um mundo realmente novo e diferente? E se tivermos um “novo mundo”, como ele será?
Para responder a estas perguntas, analisei publicações de todo o mundo que abordam este tema, a fim de que possamos ter uma visão macro do que pensadores ao redor do globo imaginam do novo mundo que encontraremos em breve pela frente.
O impacto do 11 de setembro
Talvez, para nossa geração, o maior agente de mudança mundial do qual sentimos reflexos até hoje seja o atentado de 11 de setembro de 2001. Esse evento inspirou políticas de segurança nacional em vários países, deu início às guerras no Iraque e no Afeganistão – a última das quais se tornou a guerra mais antiga da história dos EUA – e levou à criação de inúmeros protocolos de segurança em todo o mundo. Afinal, você lembra como era voar antes de 2001? Nada de detectores de metal, máquinas de raios-X, sapatos em esteiras rolantes…
E só como um comparativo mórbido, no 11 de setembro morreram 2.977 americanos e, até o momento em que eu escrevia este texto (domingo de páscoa, as 13h38, horário de Brasília), já tínhamos 20.659mortes somente nos EUA, e 110.892 em todo o mundo.
Percebem, então, o poder de mudança que esta pandemia pode causar, tendo como base o último grande indutor de mudanças em nosso mundo?
E que mudanças seriam estas? Primeiramente, podemos citar o aumento da vigilância dos governos sobre os seus cidadãos. Vamos lembrar que 11 de setembro permitiu uma série de mudanças em relação à privacidade em troca da luta contra o terrorismo. Assim sendo, será que uma pandemia desta proporção não pode abrir portas para um controle ainda maior?
Fim da privacidade?
Na batalha contra a epidemia de coronavírus, vários governos já implantaram novas ferramentas de vigilância. O caso mais notável é a China. Ao monitorar de perto os smartphones das pessoas, usar centenas de milhões de câmeras que reconhecem o rosto e obrigar as pessoas a verificarem e a relatarem sua temperatura corporal e condição médica, as autoridades chinesas podem não apenas identificar rapidamente os portadores suspeitos de coronavírus, mas também rastrear seus movimentos e identificar qualquer pessoa com quem eles entraram em contato. Uma variedade de aplicativos móveis avisa os cidadãos sobre sua proximidade com pacientes infectados.
O escritor israelense Yuval Noah Harari, autor de ‘Sapiens’, ‘Homo Deus’ e ’21 Lessons for the 21st Century’ analisou o tema em artigo assinado no Jornal Financial Times.
“Você pode argumentar que não há nada de novo nisso tudo. Nos últimos anos, governos e empresas vêm usando tecnologias cada vez mais sofisticadas para rastrear, monitorar e manipular pessoas. No entanto, se não tomarmos cuidado, a epidemia pode, no entanto, marcar um importante divisor de águas na história da vigilância. Não apenas porque pode normalizar a implantação de ferramentas de vigilância em massa nos países que até agora as rejeitaram, mas ainda mais porque significa uma transição dramática da vigilância “sobre a pele” para a vigilância “sob a pele. Até então, quando seu dedo tocou a tela do seu smartphone e clicou em um link, o governo queria saber exatamente o que seu dedo estava clicando. Mas com o advento do coronavírus, o foco do interesse muda. Agora, o governo quer saber a temperatura do seu dedo e a pressão sanguínea sob a pele. “
E Harari continua: “Um dos problemas que enfrentamos ao trabalhar onde estamos vigiando é que nenhum de nós sabe exatamente como estamos sendo vigiados e o que os próximos anos podem trazer. A tecnologia de vigilância está se desenvolvendo a uma velocidade vertiginosa, e o que parecia ficção científica há dez anos é hoje uma notícia antiga. Como um experimento mental, considere um governo hipotético que exija que todo cidadão use uma pulseira biométrica que monitore a temperatura do corpo e a freqüência cardíaca 24 horas por dia. Os dados resultantes são acumulados e analisados por algoritmos governamentais. Os algoritmos saberão que você está doente, mesmo antes de conhecê-lo, e também saberão onde você esteve e quem conheceu. As cadeias de infecção podem ser drasticamente encurtadas e até cortadas por completo. É possível que esse sistema possa parar a epidemia em questão de dias. Parece maravilhoso, certo? A desvantagem é, obviamente, que isso daria legitimidade a um novo e aterrador sistema de vigilância. Se você sabe, por exemplo, que cliquei no link da Fox News em vez do link da CNN, isso pode lhe ensinar algo sobre minhas opiniões políticas e talvez até sobre minha personalidade. Mas, se você puder monitorar o que acontece com a temperatura do meu corpo, a pressão sanguínea e o batimento cardíaco enquanto assisto ao vídeo, você pode aprender o que me faz rir, o que me faz chorar e o que me deixa muito, muito zangado.É crucial lembrar que raiva, alegria, tédio e amor são fenômenos biológicos, como febre e tosse. A mesma tecnologia que identifica tosse também pode identificar risos. Se as empresas e os governos começarem a coletar nossos dados biométricos em massa, eles podem nos conhecer muito melhor do que nós mesmos, e podem não apenas prever nossos sentimentos, mas também manipular nossos sentimentos e nos vender nos o que quiserem – seja um produto ou um político. O monitoramento biométrico faria as táticas de hackers de dados da Cambridge Analytica parecerem algo da Idade da Pedra”, finaliza.
Uma nova grande depressão
Outro fator indiscutível da mudança global pelo qual o mundo passará pós-pandemia diz respeito a uma grande crise econômica sem precedentes que se avizinha.
Casamentos adiados, férias canceladas, prateleiras vazias de supermercados, preços de imóveis em queda, cortes salariais, demissões – sugerem que ninguém sairá desse período sem perder nada. Mas estamos apenas no começo.
Prever o quão ruim as coisas vão ficar economicamente é difícil. Um surto viral dessa escala só aconteceu uma vez antes no mundo industrializado: a pandemia de influenzade 1918 que atingiu o mundo em duas ondas sazonais, matando 50 milhões de pessoas em todo o mundo e 675.000 nos EUA. Essa pandemia ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, o que dificulta a comparação com a atual, deixando de lado todas as outras mudanças no século passado.
Mas, de acordo com um estudo de 2007 sobre os efeitos econômicos da pandemia de 1918, publicado pelo Federal Reserve Bank de St. Louis, os efeitos econômicos do surto duraram apenas um curto período de tempo.
“Muitas empresas, especialmente as das indústrias de serviços e entretenimento, sofreram perdas de dois dígitos na receita”, dizia o jornal. “A sociedade como um todo se recuperou rapidamente da gripe de 1918, mas os indivíduos afetados pela gripe tiveram suas vidas mudadas para sempre. Dada nossa sociedade altamente móvel e conectada, qualquer futura pandemia de influenza provavelmente será mais severa em seu alcance e talvez em sua virulência. “
De acordo com a Forbes, todos os setores da economia americana estão encolhendo: a cadeia de hotéis Marriott International está despedindo dezenas de milhares de trabalhadores, a Landry’s, empresa controladora da Del Frisco e da Bubba Gump Shrimp, demitiu 40.000 trabalhadores. A Air Canada planeja demitir 5.100 membros de sua tripulação de cabine. A varejista de calçados DSW colocou 80% de seus trabalhadores em licença temporária não remunerada.
E isso que vemos nos Estados Unidos é uma máxima em diversos países mundo afora. Empresas paradas significam menos vendas, menos lucros e menos empregos, e a pergunta que fica é se os pacotes trilhonários previstos por todos os governos serão suficientes para conter o que pode ser uma das maiores crises que o mundo pode enfrentar.
A verdade é que, por mais que recorramos aos especialistas para prever como será o nosso futuro, ninguém sabe ao certo como será o mundo daqui para frente! Uma coisa é certa: ele será muito diferente, mas está em nossas mãos tentar torná-lo um pouco menos apocalíptico.
Podemos trocar o fim da privacidade por mais confiança na ciência e nos meios de informação e seguir os pedidos de evitar aglomerações e ficar em casa sem precisar que governos nos monitorem. Podemos trocar uma grande crise mundial por uma onda de solidariedade com ações mundiais comuns para ajudar os mais necessitados e por construir cadeias de comércio mais justas.
Por mais que o futuro ainda nos pareça cinzento, eu tenho a esperança por dias melhores e acredito realmente que todos nós temos um importante papel a desempenhar neste novo mundo!
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Rê Spallicci