Conheça a história de três mulheres ritmistas formadas na escolinha da Acadêmicos do Tatuapé
Coração a mil, no ritmo da bateria – tum, tum, tum. Agora não conto mais os dias, já tô contando as horas para a minha estreia. Gente, seremos a quinta escola a desfilar, na madrugada da sexta para o sábado, e quero muito contar com toda energia e vibração de vocês comigo, hein? Posso?
Após meses de preparação e muita dedicação, vou finalmente realizar esse sonho. Mas, como tenho compartilhado com vocês, ao longo desses meses descobri que há um mundo inteiro e lindo por trás daqueles poucos minutos de desfile na avenida.
Academia do ritmo
E minha experiência tem sido incrível. Não canso de dizer que o Carnaval tem me dado amigos novos e aprendizados tremendos que levarei para o resto da vida.
É surpreendente e maravilhoso poder ver, nos bastidores, como uma agremiação impacta a vida da comunidade e de milhares de pessoas que vivem o seu dia a dia. Gente que foi formada ali, aprendendo os valores de organização, de compromisso, de trabalho em equipe…
E, antes de sair pra avenida, quero falar da minha admiração pelo trabalho que a Acadêmicos do Tatuapé faz com sua escolinha da bateria “Academia de Ritmo”. E para nos mostrarem a força e a importância desse trabalho, escolhi três jovens mulheres, lindas e poderosas, que passaram por lá. Com vocês, nossas ritmistas nota 10: Bárbara, Bianca e Renata.
Ela é Bárbara no repique
Comparado à história de vida de muitos ritmistas, podemos chamar de tardio o envolvimento de Bárbara Moreira com o Carnaval. Afinal, foi só aos 20 anos que a jovem decidiu “investigar” o motivo da paixão de toda a sua família pelo Carnaval. “Venho de uma família bem carnavalesca, mas eu nunca gostei de carnaval. Foi só em 2011 que decidi me inscrever na escolinha da Acadêmicos do Tatuapé”, conta Bárbara.
Ela não podia imaginar, mas a decisão mudou sua vida e impactou toda a família. “Hoje, praticamente toda minha família, tios e tias, são Tatuapé”, conta em meio a uma risada gostosa. Mas a mais impactada foi mesmo Bárbara. “Foi amor à primeira vista e posso afirmar, com certeza, que foi a melhor coisa que realizei em minha vida. A Tatuapé me ajudou muito com minha autoestima, a vencer a timidez e muitas coisas mais”, revela.
Hoje Bárbara faz parte do naipe de repiques da Bateria Qualidade Especial, mas ela admite que o caminho para conquistar seu espaço foi árduo. “No início confesso que estava meio assustada, pois não foi fácil aprender a tocar. Cheguei a pensar muitas vezes em desistir, mas todo sábado lá estava eu de volta, ensaiando”, lembra a ritmista, destacando que, até hoje, a dedicação é a mesma. “Procuro me dedicar o ano todo visando ajudar a escola a realizar o melhor carnaval de nossas vidas, comprometendo-me em estar nos ensaios e nas apresentações durante o ano todo”, afirma.
Há oito anos, quando ingressou na Acadêmicos, Bárbara pôde vivenciar na prática como é construído o carnaval em uma escola, envolvendo-se com o pessoal do ateliê da escola, ajudando a fazer as fantasias, carros alegóricos… “Pouco a pouco, aquilo tudo passou a fazer parte da minha vida. Posso afirmar que sem o carnaval eu não seria nada. Aquilo que para muitos é somente uma festa, um feriado, para mim é muito mais. O carnaval me proporcionou aprendizados, conhecer pessoas maravilhosas e fazer parte de uma verdadeira família que eu amo”, conclui.
Apaixonada pelo samba
Bianca Tepedino se recorda que, desde pequena, frequentava o ambiente das rodas e das escolas de samba com a mãe e com as tias. “Frequentávamos uma escola diferente a cada ano e tive a alegria de passar por agremiações como Rosas de Ouro, Águia de Ouro e Nenê de Vila Matilde, mas não tínhamos uma escola do coração”, relembra.
Mas o gosto pela música e, em especial, pelo samba ganhou mesmo força nas idas com a tia Alice Mara às rodas de samba do grupo Maria Cursi, onde a tia era backing vocal. “Ali eu comecei a me interessar muito pela música, pelo samba e pelos instrumentos”, conta.
E foi o gosto pela música que levou Bianca a se inscrever na escolinha da bateria da Acadêmicos do Tatuapé. Ela lembra que chegou totalmente “analfabeta” musical, (risos). “Posso dizer que comecei do zero meeesmo. O tamborim foi meu primeiro instrumento e eu não sabia nem com que mão tinha que segurar”, revela. Assim, mesmo depois de um ano na Escolinha, Bianca não conseguiu a sonhada vaga para fazer parte da bateria oficial da escola.
Mas “perseverança” é uma palavra que pode definir bem a disposição dessa jovem. Ela respirou fundo e tratou de se inscrever novamente. “Estudei muito, me dediquei ainda mais e, finalmente, agora em 2019, vou desfilar pela primeira vez na bateria principal”, diz. Por isso, a expectativa da ritmista está lá em cima. “Foi uma preparação bem puxada, com muitos e demorados ensaios, mas estamos prontos para dar o nosso melhor na avenida, agora é saber controlar a ansiedade para que possamos dar nossa contribuição para esse trabalho tão lindo e desafiador que todos na Tatuapé estão realizando”, afirma.
Bianca conta que, para além do conhecimento musical, as aulas de tamborim também ensinaram a ela paciência e humildade. “Além disso, o samba me deu amigos de verdade e tem um papel terapêutico em minha vida, pois me traz paz e tranquilidade mesmo em meio aos momentos mais difíceis”, diz.
Ao lado de Bárbara e Bianca, uma outra colega da bateria formada nas aulas da Escolinha Academia de Ritmo, vai estar tocando surdo de primeira, é a jovem Renata Rodrigues. “Sou cria da Tatuapé com muito orgulho, e ali dei minhas primeiras batidas”, declara a ritmista.
Renata conta que a Escolinha foi a base, onde aprendeu toda a questão de postura, comportamento, marcação, canto e noção rítmica. “Essas noções básicas que aprendi foram essenciais para que eu conseguisse conquistar meu lugar na Bateria Qualidade Especial”, diz.
Aos 22 anos, esta é a terceira participação de Renata na bateria da Tatuapé, mas ela já teve oportunidade de desfilar em outras escolas, como a Amizade Zona Leste, Flor da Vila Dalila e Uirapuru da Moóca.
Mesmo não sendo novata, a sambista confirma que sua expectativa é muito grande em torno do desfile, afinal foram nove meses de preparação, muitos ensaios e apresentações. E, este ano, o desfile promete ser ainda mais especial para Renata. “Vou para a avenida com um microfone no meu instrumento, raramente se vê uma mulher nesta posição no naipe que toco”, comemora a ritmista, destacando sua emoção pela escolha: “é um presente e, sem dúvida, gratificante saber que tenho a confiança dos meus diretores e do mestre”.
A verdade é que Renata, Bianca e Bárbara fazem parte da nova geração de mulheres que vêm abrindo caminhos e conquistando cada vez mais espaços no mundo do carnaval e, em especial, nas baterias. Apesar da presença cada vez maior de ritmistas mulheres, os homens ainda são a imensa maioria na direção das baterias. “Não temos nenhuma mulher como mestre de bateria, nem em São Paulo e nem no Rio de Janeiro”, comenta Bianca.
E ainda há, sim, segundo nossas entrevistadas, resquícios do machismo no mundo do samba. “Algumas vezes ainda observamos comentários e atitudes que revelam o preconceito, mas vamos resistir e combater isso cada vez mais”, afirma Bianca, citando o orgulho que sente ao ver as mulheres do samba se unindo: “o movimento Mulheres no Ritmo, integrado por ritmistas de várias baterias diferentes, é um excelente exemplo de como, unidas, podemos incentivar a participação das mulheres ritmistas e combater a discriminação”, finaliza.
São pérolas assim — como Bianca, Bárbara e Renata, todas guerreiras sonhadoras, como eu – com as quais o Carnaval me presenteou e que me enchem de orgulho e garra para declarar que nós mulheres temos o direito de ser, de estar e de brilhar onde quisermos! Bom carnaval a todas vocês!
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Rê Spallicci