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Saúde

O futuro da indústria farmacêutica

Presidente da Sindusfarma, Nelson Mussolini fala sobre a importância da indústria farmacêutica no cenário da pandemia do coronavírus.

 17 de junho de 2020
10 min de leitura

O futuro da indústria farmacêutica

Como vocês sabem, eu sou diretora de assuntos corporativos da Apsen e, nestes tempos de pandemia, estive mais do que nunca vivendo 24 horas por dia o universo da empresa e, consequentemente, do segmento das indústrias farmacêuticas.

Tenho feito muitas reflexões sobre o futuro do nosso setor, já que acredito que, a partir de agora, estaremos no centro das decisões do futuro, pois o tema da saúde pública se tornou a preocupação mundial número um, por causa da questão do COVID-19.

E ninguém melhor para refletir comigo sobre o futuro desse mercado do que Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma, que me atendeu para esta entrevista exclusiva. Confira:

Entrevista com Nelson Mussolini

Entrevista com Nelson Mussolini

Renata Spallicci – Quais os impactos da pandemia no curto e médio prazos para os negócios da indústria farmacêutica? E qual deve ser o impacto para o próximo ano?

NELSON MUSSOLINI – Ao mesmo tempo que está engajada no esforço brasileiro e mundial para conter a pandemia de coronavírus, a indústria farmacêutica instalada no Brasil tem enfrentado uma enorme pressão de custos, com aumentos expressivos do dólar, de logística e dos significativos aumentos nos preços de matérias-primas, insumos e produtos acabados.

Com tantas incertezas, ainda é difícil projetar os impactos para o próximo ano. Mas certamente o cenário será difícil, exigindo um esforço redobrado do setor para garantir a oferta de medicamentos para a população brasileira.

RS – Ainda nesse cenário, como a alta do dólar está impactando a indústria e qual a expectativa para o próximo ano?

NM – A alta do dólar vem afetando a indústria farmacêutica em várias frentes: encareceu os insumos farmacêuticos ativos, 95% dos quais são importados, além de inflar os gastos com transporte e os preços de matérias-primas e produtos acabados. 

Não acredito que a cotação do dólar volte ao patamar anterior ao da pandemia. Isso significa que o câmbio continuará a pressionar o setor, pois, após 14 meses de preços inalterados, a indústria farmacêutica foi autorizada a aplicar o reajuste anual de preços de apenas 4,08%, na média, suficiente para repor somente parte dos aumentos de custo acumulados no ano passado e mais recentemente, em razão da pandemia de coronavírus.

RS- Vimos a indústria farmacêutica, no mundo todo, correr risco de desabastecimento (em função das dificuldades de importação de muitos itens). Esta  dependência tão grande de importações preocupa?

NELSON MUSSOLINI – O fato de a indústria farmacêutica instalada no Brasil importar 95% das matérias-primas que utiliza, cria uma dependência que, em situações críticas como a desta pandemia, causa preocupação. Mas, felizmente, os problemas de produção e fornecimento de matérias-primas provenientes da China e da Índia têm sido pontuais e, até o momento, não afetaram de forma significativa o fluxo de importações e a produção e o abastecimento de medicamentos na indústria farmacêutica instalada no Brasil.

RS – O segmento acabou sendo envolvido em um embate político, em virtude da questão da cloroquina e hidroxicloroquina. Como o senhor  vê essa situação e qual o posicionamento do Sindusfarma? A entidade, de alguma forma, contribuiu com esse tema?

NELSON MUSSOLINI – Desde o início da discussão sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, o Sindusfarma tem se pronunciado publicamente com clareza, endossando os esclarecimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre seu registro somente para o tratamento de artrite, lúpus eritematoso, doenças fotossensíveis e malária, e não recomendando outros usos, que ainda dependem de comprovação científica. O norte do Sindusfarma é a ciência e os resultados demonstrados em pesquisas clínicas e na prática terapêutica. E sendo medicamentos de prescrição obrigatória, as farmácias só podem vendê-los, por força de lei, mediante a apresentação de receita médica.

RS – Ao mesmo tempo, essa questão e a expectativa de que novas pandemias possam acontecer, evidenciou a importância de que o setor e as empresas estejam prontas para dialogar com o poder público? Como o Sindusfarma vê isso?

NELSON MUSSOLINI – A interlocução permanente com o poder público e as autoridades e lideranças econômicas e da área da Saúde é uma marca histórica da atuação do Sindusfarma. E a entidade continuará a dialogar com os decisores e os formadores de opinião sobre a agenda da cadeia produtiva farmacêutica e  os novos desafios sanitários e econômicos trazidos pela Covid-19 e por outras enfermidades que eventualmente surjam.

RS – A saúde ficará no centro das discussões mundiais por um bom tempo, e as indústrias farmacêuticas estão inseridas neste contexto. Como o senhor acha que este segmento pode se posicionar para assumir um protagonismo neste “novo mundo”?

NELSON MUSSOLINI – O protagonismo da indústria farmacêutica como um dos pilares da Saúde é histórico e vai continuar, com força redobrada num futuro em que as questões sanitárias tendem a ficar mais urgentes. Como escrevi recentemente em um artigo publicado na Imprensa,  a indústria farmacêutica, nos últimos 100 anos, tem contribuído de forma decisiva para melhorar a vida das pessoas, período em que a expectativa de vida da população quase dobrou.

RS – Não somente o setor farmacêutico, mas muitos outros da economia tiveram que fazer um movimento de digitalização de seus processos e de suas vendas, em virtude da pandemia. Como o senhor viu este movimento na indústria farmacêutica? Acha que ele veio para ficar?

NM – Não tenho dúvida de que a digitalização, que já avançava em todos as atividades – empresariais, pessoais, etc. -, ganhou força neste período de quarentena e vai suscitar uma série de mudanças profundas nas rotinas corporativas, na alocação de recursos e na mobilidade das pessoas, apenas para citar alguns exemplos.

RS – Qual sua expectativa em torno de uma vacina para o Covid-19?

NM – A indústria farmacêutica lidera a corrida mundial pela descoberta de vacinas e medicamentos para a prevenção e o tratamento do Covid-19. Sabemos que o processo de pesquisa e desenvolvimento na área farmacêutica é minucioso e demorado, para garantir a eficácia do produto e a segurança dos pacientes, mas acreditamos que a inédita mobilização de cientistas, investidores, centros de pesquisa e indústria farmacêutica pode encurtar esse processo. Tomara que isso aconteça!

RS – Temos visto farmacêuticas no mundo todo falarem em compartilhamento de informações e colaboração para o desenvolvimento e teste de medicamentos e vacinas. Essa já era uma prática da indústria ou algo que vem sendo estimulado pela urgência do momento? O senhor  acredita que  é uma tendência que deve permanecer?

NM – A concorrência entre empresas da indústria farmacêutica pela descoberta e produção de medicamentos inovadores é uma demonstração da vitalidade do setor e trouxe incalculáveis benefícios para a medicina: um arsenal terapêutico que controla doenças e salva vidas. Paralelamente, sempre houve casos de colaboração entre empresas, determinados por estratégias comerciais, circunstâncias de mercado ou crises sanitárias, como a atual. Por certo, a atual convergência de esforços é extraordinária, dada a dimensão do desafio de deter a pandemia de coronavírus em tempo recorde. 

RS – O efeito da pandemia, com a necessária busca por uma vacina e tratamentos eficazes pode incentivar investimentos ainda maiores da indústria farmacêutica em novos desenvolvimentos?

NELSON MUSSOLINI – Em primeiro lugar, é preciso ponderar que os investimentos da indústria farmacêutica já são elevados e de alto risco em condições normais. Estima-se que o desenvolvimento de um único medicamento não saia por menos de 1 bilhão de dólares. Dito isto, sim, é possível que a pandemia atraia novos investidores, dispostos a financiarem os altos custos de pesquisa e desenvolvimento do setor, o que poderia viabilizar novas frentes de pesquisa e tratamento.

RS – Qual foi a atuação social da indústria farmacêutica e do Sindusfarma (doações) ao longo deste período da pandemia?

NM – Como parte do engajamento da indústria farmacêutica no enfrentamento da crise provocada pela pandemia de coronavírus, o Sindusfarma doou dez mil cestas básicas, no valor de R$ 1,1 milhão, entregues a 40 mil pessoas em situação de vulnerabilidade da cidade de São Bernardo, numa ação coordenada pelo Fundo Social de São Paulo. Levantamento da entidade, feito em meados de maio, apurou que a indústria farmacêutica havia doado pelo menos 55 milhões de reais em ações de solidariedade.

RS – Em sua opinião, quais as principais lições que a pandemia deixa para o setor?

NM – Há várias lições que o setor farmacêutico compartilhará com os demais segmentos econômicos e com a sociedade em geral, cujos efeitos se farão sentir em diversos âmbitos, alguns já mencionados: gestão das empresas, mobilidade urbana, digitalização de processos, entre outros. 

Gostaria, no entanto, de chamar atenção para uma lição que considero fundamental para as autoridades do Brasil: a de enxergar a indústria farmacêutica instalada no País como um ativo estratégico que promove saúde e desenvolvimento tecnológico e científico; e que, por isso, requer um marco sanitário e econômico equilibrado e sustentável.

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Rê Spallicci