Presidente da Sindusfarma, Nelson Mussolini fala sobre a importância da indústria farmacêutica no cenário da pandemia do coronavírus.
Como vocês sabem, eu sou diretora de assuntos corporativos da Apsen e, nestes tempos de pandemia, estive mais do que nunca vivendo 24 horas por dia o universo da empresa e, consequentemente, do segmento das indústrias farmacêuticas.
Tenho feito muitas reflexões sobre o futuro do nosso setor, já que acredito que, a partir de agora, estaremos no centro das decisões do futuro, pois o tema da saúde pública se tornou a preocupação mundial número um, por causa da questão do COVID-19.
E ninguém melhor para refletir comigo sobre o futuro desse mercado do que Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma, que me atendeu para esta entrevista exclusiva. Confira:
Entrevista com Nelson Mussolini
Renata Spallicci – Quais os impactos da pandemia no curto e médio prazos para os negócios da indústria farmacêutica? E qual deve ser o impacto para o próximo ano?
NELSON MUSSOLINI – Ao mesmo tempo que está engajada no esforço brasileiro e mundial para conter a pandemia de coronavírus, a indústria farmacêutica instalada no Brasil tem enfrentado uma enorme pressão de custos, com aumentos expressivos do dólar, de logística e dos significativos aumentos nos preços de matérias-primas, insumos e produtos acabados.
Com tantas incertezas, ainda é difícil projetar os impactos para o próximo ano. Mas certamente o cenário será difícil, exigindo um esforço redobrado do setor para garantir a oferta de medicamentos para a população brasileira.
RS – Ainda nesse cenário, como a alta do dólar está impactando a indústria e qual a expectativa para o próximo ano?
NM – A alta do dólar vem afetando a indústria farmacêutica em várias frentes: encareceu os insumos farmacêuticos ativos, 95% dos quais são importados, além de inflar os gastos com transporte e os preços de matérias-primas e produtos acabados.
Não acredito que a cotação do dólar volte ao patamar anterior ao da pandemia. Isso significa que o câmbio continuará a pressionar o setor, pois, após 14 meses de preços inalterados, a indústria farmacêutica foi autorizada a aplicar o reajuste anual de preços de apenas 4,08%, na média, suficiente para repor somente parte dos aumentos de custo acumulados no ano passado e mais recentemente, em razão da pandemia de coronavírus.
RS- Vimos a indústria farmacêutica, no mundo todo, correr risco de desabastecimento (em função das dificuldades de importação de muitos itens). Esta dependência tão grande de importações preocupa?
NELSON MUSSOLINI – O fato de a indústria farmacêutica instalada no Brasil importar 95% das matérias-primas que utiliza, cria uma dependência que, em situações críticas como a desta pandemia, causa preocupação. Mas, felizmente, os problemas de produção e fornecimento de matérias-primas provenientes da China e da Índia têm sido pontuais e, até o momento, não afetaram de forma significativa o fluxo de importações e a produção e o abastecimento de medicamentos na indústria farmacêutica instalada no Brasil.
RS – O segmento acabou sendo envolvido em um embate político, em virtude da questão da cloroquina e hidroxicloroquina. Como o senhor vê essa situação e qual o posicionamento do Sindusfarma? A entidade, de alguma forma, contribuiu com esse tema?
NELSON MUSSOLINI – Desde o início da discussão sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, o Sindusfarma tem se pronunciado publicamente com clareza, endossando os esclarecimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre seu registro somente para o tratamento de artrite, lúpus eritematoso, doenças fotossensíveis e malária, e não recomendando outros usos, que ainda dependem de comprovação científica. O norte do Sindusfarma é a ciência e os resultados demonstrados em pesquisas clínicas e na prática terapêutica. E sendo medicamentos de prescrição obrigatória, as farmácias só podem vendê-los, por força de lei, mediante a apresentação de receita médica.
RS – Ao mesmo tempo, essa questão e a expectativa de que novas pandemias possam acontecer, evidenciou a importância de que o setor e as empresas estejam prontas para dialogar com o poder público? Como o Sindusfarma vê isso?
NELSON MUSSOLINI – A interlocução permanente com o poder público e as autoridades e lideranças econômicas e da área da Saúde é uma marca histórica da atuação do Sindusfarma. E a entidade continuará a dialogar com os decisores e os formadores de opinião sobre a agenda da cadeia produtiva farmacêutica e os novos desafios sanitários e econômicos trazidos pela Covid-19 e por outras enfermidades que eventualmente surjam.
RS – A saúde ficará no centro das discussões mundiais por um bom tempo, e as indústrias farmacêuticas estão inseridas neste contexto. Como o senhor acha que este segmento pode se posicionar para assumir um protagonismo neste “novo mundo”?
NELSON MUSSOLINI – O protagonismo da indústria farmacêutica como um dos pilares da Saúde é histórico e vai continuar, com força redobrada num futuro em que as questões sanitárias tendem a ficar mais urgentes. Como escrevi recentemente em um artigo publicado na Imprensa, a indústria farmacêutica, nos últimos 100 anos, tem contribuído de forma decisiva para melhorar a vida das pessoas, período em que a expectativa de vida da população quase dobrou.
RS – Não somente o setor farmacêutico, mas muitos outros da economia tiveram que fazer um movimento de digitalização de seus processos e de suas vendas, em virtude da pandemia. Como o senhor viu este movimento na indústria farmacêutica? Acha que ele veio para ficar?
NM – Não tenho dúvida de que a digitalização, que já avançava em todos as atividades – empresariais, pessoais, etc. -, ganhou força neste período de quarentena e vai suscitar uma série de mudanças profundas nas rotinas corporativas, na alocação de recursos e na mobilidade das pessoas, apenas para citar alguns exemplos.
RS – Qual sua expectativa em torno de uma vacina para o Covid-19?
NM – A indústria farmacêutica lidera a corrida mundial pela descoberta de vacinas e medicamentos para a prevenção e o tratamento do Covid-19. Sabemos que o processo de pesquisa e desenvolvimento na área farmacêutica é minucioso e demorado, para garantir a eficácia do produto e a segurança dos pacientes, mas acreditamos que a inédita mobilização de cientistas, investidores, centros de pesquisa e indústria farmacêutica pode encurtar esse processo. Tomara que isso aconteça!
RS – Temos visto farmacêuticas no mundo todo falarem em compartilhamento de informações e colaboração para o desenvolvimento e teste de medicamentos e vacinas. Essa já era uma prática da indústria ou algo que vem sendo estimulado pela urgência do momento? O senhor acredita que é uma tendência que deve permanecer?
NM – A concorrência entre empresas da indústria farmacêutica pela descoberta e produção de medicamentos inovadores é uma demonstração da vitalidade do setor e trouxe incalculáveis benefícios para a medicina: um arsenal terapêutico que controla doenças e salva vidas. Paralelamente, sempre houve casos de colaboração entre empresas, determinados por estratégias comerciais, circunstâncias de mercado ou crises sanitárias, como a atual. Por certo, a atual convergência de esforços é extraordinária, dada a dimensão do desafio de deter a pandemia de coronavírus em tempo recorde.
RS – O efeito da pandemia, com a necessária busca por uma vacina e tratamentos eficazes pode incentivar investimentos ainda maiores da indústria farmacêutica em novos desenvolvimentos?
NELSON MUSSOLINI – Em primeiro lugar, é preciso ponderar que os investimentos da indústria farmacêutica já são elevados e de alto risco em condições normais. Estima-se que o desenvolvimento de um único medicamento não saia por menos de 1 bilhão de dólares. Dito isto, sim, é possível que a pandemia atraia novos investidores, dispostos a financiarem os altos custos de pesquisa e desenvolvimento do setor, o que poderia viabilizar novas frentes de pesquisa e tratamento.
RS – Qual foi a atuação social da indústria farmacêutica e do Sindusfarma (doações) ao longo deste período da pandemia?
NM – Como parte do engajamento da indústria farmacêutica no enfrentamento da crise provocada pela pandemia de coronavírus, o Sindusfarma doou dez mil cestas básicas, no valor de R$ 1,1 milhão, entregues a 40 mil pessoas em situação de vulnerabilidade da cidade de São Bernardo, numa ação coordenada pelo Fundo Social de São Paulo. Levantamento da entidade, feito em meados de maio, apurou que a indústria farmacêutica havia doado pelo menos 55 milhões de reais em ações de solidariedade.
RS – Em sua opinião, quais as principais lições que a pandemia deixa para o setor?
NM – Há várias lições que o setor farmacêutico compartilhará com os demais segmentos econômicos e com a sociedade em geral, cujos efeitos se farão sentir em diversos âmbitos, alguns já mencionados: gestão das empresas, mobilidade urbana, digitalização de processos, entre outros.
Gostaria, no entanto, de chamar atenção para uma lição que considero fundamental para as autoridades do Brasil: a de enxergar a indústria farmacêutica instalada no País como um ativo estratégico que promove saúde e desenvolvimento tecnológico e científico; e que, por isso, requer um marco sanitário e econômico equilibrado e sustentável.
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Rê Spallicci