O COVID-19 alterou a forma como enxergamos a saúde e a medicina - mas essas mudanças durarão após a pandemia?
Estamos ainda vivendo em meio à crise do COVID-19 e de todos os seus reflexos. Usamos máscaras para qualquer saidinha de casa, lavamos as mãos obsessivamente; temos estoque de álcool em gel em casa. Somos gratos pelos hospitais que estão conseguindo dar conta da alta demanda, pelos profissionais de saúde que estão na linha de frente do perigo, e por todas as abordagens de telemedicina que tentam nos manter saudáveis e fora de perigo. Esperamos que as empresas farmacêuticas desenvolvam algo para combater esse terrível vírus, e que os cientistas e estatísticos possam nos ajudar a prever quais os próximos passos da pandemia.
Mas passado este turbilhão e este momento maior de sério perigo, nossos comportamentos e atitudes de saúde que desenvolvemos durante a pandemia persistirão? E deveríamos mantê-los?
Hospitais ou cuidados primários?
A pandemia – COVID-19 nos mostrou a necessidade de termos estruturas hospitalares bastante sólidas e leitos que possam atender a uma demanda emergencial. Mas pode também impulsionar um novo tipo de medicina.
Como muitas instituições médicas baniram temporariamente os procedimentos eletivos e as visitas rotineiras ao consultório, a menos que sejam medicamente essenciais, essa pandemia mostrou às pessoas o valor de ter acesso regular à atenção primária.
A premissa geral por trás desse modelo é que os pacientes pagam uma taxa para ter um médico específico para os cuidados primários. Os médicos recebem apenas um número limitado de pacientes para que eles possam fornecer acesso exclusivo e oportuno à sua base de pacientes existente. Com isso, o paciente tem alguém que conhece o seu histórico médico e social.
No entanto, é importante observar que esta modalidade de medicina ainda tem obstáculos significativos a serem superados, incluindo a decifração do processo de responsabilidade, aspectos de privacidade do paciente, questões de negligência e como dimensionar o modelo de negócios, em um momento em que os grandes sistemas hospitalares continuam a se expandir. No entanto, essa pandemia destacou que os pacientes podem preferir pagar um preço premium para obter cuidados de rotina personalizados, especialmente em momentos de necessidade e desespero.
A saúde digital
A digitalização dos cuidados de saúde também se tornará uma prioridade. A pandemia definitivamente destacou o imenso valor da telemedicina. Porém, a saúde digital é muito mais do que apenas os serviços de telessaúde, e a pandemia pode ser o impulso que faltava para aumentar o uso da tecnologia para tornar vários aspectos da medicina clínica mais acessíveis e eficientes.
Uma área da medicina que já aproveita isso há anos é o campo da radiologia, que usa rotineiramente a infraestrutura digital, para que os radiologistas nem sempre precisem estar no mesmo local onde os seus conhecimentos são necessários. Esse processo permitiu que muitos hospitais contratassem radiologistas de outras partes do País e tivessem acesso a consultas radiológicas “remotas”, fornecendo a seus pacientes serviços de imagem consistentes.
Além disso, à medida que o distanciamento social se torna a norma, os aplicativos móveis de saúde (“apps”) podem continuar a se tornar mais valiosos. Por exemplo, alguns aplicativos no setor de dermatologia já começaram a atrair atenção por fornecer consultas rápidas e remotas à saúde. Outra área em crescimento nesse espaço é o uso de aplicativos móveis para receber serviços de saúde mental. Isso é um pouco diferente da telepsiquiatria já proeminente, pois esses aplicativos podem fornecer mais consultas sob demanda ou uma variedade maior de serviços exclusivos.
Outras especialidades médicas, provavelmente, continuarão incentivando o uso da tecnologia para aumentar seus respectivos serviços, pois essa pandemia destacou a necessidade de meios mais eficientes e talvez convenientes para a prestação de cuidados. Entretanto, em virtude desse crescimento robusto, surgirá a necessidade de maior regulamentação, estruturas legais e éticas, medidas de privacidade e infraestrutura de armazenamento de dados, a fim de que o atendimento e a proteção de qualidade do paciente sejam mantidos e enfatizados.
Produtos farmacêuticos
A pandemia também colocou os produtos farmacêuticos no centro das atenções. As pessoas parecem perceber a importância da indústria farmacêutica e dos estudos para desenvolvimento de novos tratamentos.
Mas, além da mudança na visão para com a indústria, certamente teremos uma alteração de consumo dos produtos farmacêuticos. Por muitos anos, os consumidores dependeram de ir à farmácia para a compra de medicamentos. No entanto, este modelo ficou impraticável para muitos, na situação atual de isolamento social. No Brasil, liberou-se a receita digital para medicamentos prescritos e mais do que nunca o modelo de entrega domiciliar de medicamentos se tornou indispensável.
E, à medida que os consumidores começam a perceber cada vez mais o valor e a conveniência desse modelo, as farmácias tradicionais enfrentarão dificuldades para justificar e agregar valor às suas lojas físicas? Esta é uma resposta que o mercado terá que dar!
O futuro da higiene
Por fim, há ainda a questão do futuro da higiene, que tem sido um dos principais esforços anticoronavírus. Será que vamos ter mais limpeza de superfícies compartilhadas? Vamos manter restrições sobre quantas pessoas podem se aglomerar em um elevador, Ubers e aviões? Vamos ver com mais freqüência luz ultravioleta para matar germes em ambientes internos? Garçons usarão máscaras para sempre, ao realizar os atendimentos às mesas?
Talvez estas mudanças venham para ficar… Talvez não, uma vez que pesquisas sugerem que a higiene das mãos é surpreendentemente ruim. Dez por cento das pessoas não lavam as mãos depois de usar o banheiro. Outro quarto não usa sabão…
No entanto, se nosso mundo pós-COVID-19 se tornar mais higiênico, mesmo isso poderá trazer algumas conseqüências não intencionais. Por exemplo, a “hipótese da higiene” sugere que, sem exposição suficiente a estímulos ambientais, nosso sistema imunológico possa ficar mais fraco, levando a reações exageradas por alergias e condições autoimunes em outras fases da vida. Alguns alergistas acreditam que aqueles expostos ao vírus terão menos probabilidade de desenvolver alergias no futuro, por causa do efeito no sistema imunológico. Outros temem que a ênfase social renovada na higiene nos faça termos mais alergias…
De fato, a pandemia de coronavírus foi um evento de mudança de geração. Mas também destacou áreas significativas que podem ser lições valiosas a serem aprendidas – lições das quais os sistemas de saúde do futuro e, consequentemente, a sociedade talvez possam realmente se beneficiar.
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Rê Spallicci